Por Felipe Campinas, da Redação
MANAUS – Advogados ouvidos pelo ATUAL afirmam que o presidente Jair Bolsonaro não pode responder pelo crime de genocídio por ser contra a vacina e o uso de máscara. No entanto, sobre chamar o presidente de ‘genocida’, os advogados divergem entre o direito de liberdade de expressão e o crime de calúnia.
Nas redes sociais, as discussões sobre os dois crimes previstos na legislação brasileira vieram à tona após o delegado Pablo Dacosta Sartori, da Polícia Civil do Rio de Janeiro, intimar o influenciador digital Felipe Neto a prestar depoimento por chamar Bolsonaro de “genocida” por sua atuação na pandemia de Covid-19.
Sartori citou a Lei Federal nº 7.710/1983 (Lei da Segurança Nacional), cujo Artigo 26 define como crime “caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação”.
O delegado também mencionou o crime de calúnia, previsto no Artigo 138 do Decreto-Lei nº 2.848/1940 (Código Penal). A norma define como crime contra a honra “caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime”.
Em relação ao crime de genocídio, a definição e a punição estão previstas na Lei Federal nº2.889/1956, cujo Artigo 1º traz o seguinte teor:
- “Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal” (…) “a) matar membros do grupo; b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo”.
Felipe Neto chamou Bolsonaro de genocida com base no incentivo a quebra das medidas de prevenção à Covid-19, como o uso de máscara e o distanciamento social, na recusa em comprar vacinas, na compra e distribuição de cloroquina e na minimização da pandemia a uma “gripezinha”.
Genocídio
Rodolfo Rodrigues de Sant’Anna lembra que a lei que trata do crime de genocídio foi promulgada num período pós-Segunda Guerra Mundial. “Foi claramente para positivar em nosso ordenamento, inclusive sendo considerado hediondo, o repúdio ao Holocausto ocorrido pela Alemanha Nazista”, afirmou.
Para Sant’Anna, o crime não pode ser imputado a Bolsonaro por “ter se manifestado contra a vacina” ou por não incentivar o uso de máscara, pois a legislação prevê que “o agente precisa necessariamente da intenção de destruir um grupo especifico de pessoas. “Obviamente não é o caso”, diz o advogado.
Compartilham da mesma opinião os advogados Yuri Dantas Barroso e José Carlos Cavalcanti Júnior. De acordo com Cavalcanti Júnior, mesmo que Bolsonaro fosse contra a vacina, “tal fato não teria relação com o crime de genocídio” porque “a eventual crença na eficácia ou não da imunização não teria levado o presidente a deixar de adquirir e aparelhar a vacinação da população”.
“Logo, isso não poderia levar a acusação dessa natureza pois seria necessário ato específico de proibição de uso de máscara e não apenas o eventual mal exemplo”, disse Cavalcanti Júnior. Ele lembra que, nesse caso, a pena é de 1 a 4 anos de prisão e pode ser aplicada a quem “propala ou divulga” a calúnia.
Calúnia
Em relação a imputação do crime de calúnia contra o cidadão que chamar o presidente de “genocida”, Yuri Barroso afirma que “quem acusa outra pessoa da prática de um crime, em tese, deve responder por calúnia”. No entanto, segundo ele, não é o caso de Felipe Neto, que apenas fez duras críticas a Bolsonaro.
“Na hipótese do Youtuber Felipe Neto não é o que ocorre. Na fala dele se vê uma crítica ou uma adjetivação de caráter negativo.”, afirma Barroso.
Rodolfo Sant’Anna afirma que uma “acusação genérica” contra o presidente de que ele teria cometido o crime de genocídio, “o que obviamente não houve”, em rede social ou por algum outro meio, não se enquadraria na Lei de Segurança Nacional. “Nem toda calúnia ou difamação contra o Chefe do Executivo configura delito contra a Segurança Nacional”, afirma Sant’Anna.
Barroso e Santana concordam que, para a qualificação de um fato ofensivo à honra objetiva do presidente da República como delito contra a Segurança Nacional, é necessário que o sujeito tenha motivação política e ocorra lesão efetiva ou potencial à Segurança Nacional.
Barroso lembra que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) concedeu liminar ao advogado Marcelo Feller para suspender o depoimento dele à Polícia Federal que seria realizado no âmbito de inquérito aberto a pedido do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Feller virou alvo de inquérito por ter acusado “o Senhor Presidente da República de ter cometido assassinato em massa por omissão durante a pandemia do novo coronavírus” em um programa do canal de televisão CNN Brasil.
O advogado cita que, na decisão, o ministro Jorge Mussi apontou a “aparente atipicidade da conduta e a posição privilegiada da liberdade de expressão na democracia brasileira”. Para Barroso, essa é a solução que deve ser dada também ao caso de Felipe Neto.
Para Cavalcanti Júnior, no entanto, ao afirmar que o Bolsonaro praticou genocídio, o cidadão teria que provar, por exemplo, que o presidente “estaria submetendo intencionalmente os brasileiros à condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial”.
“Na falta dessa prova, chamada de excesso da verdade, o autor pode ser condenado pelo crime descrito no artigo 26 da Lei de Segurança Nacional”, afirmou Cavalcanti Júnior.
O advogado afirma que os crimes de calúnia e difamação, que constam na Lei de Segurança Nacional, também aparecem, respectivamente, nos artigos 138 e 139 do Código Penal. Esses crimes, segundo Cavalcanti Júnior, são diferentes de xingamentos.
“No primeiro caso se imputa falsa afirmação de cometimento de crime pela vítima e na segunda afirma-se fatos, verdadeiros ou não, que ofendam sua honra, diferentes de xingamentos que se amoldam ao crime de injuria que não está incluído no art. 26 da lei 7.710”, afirma Cavalcante Júnior.
Liberdade de expressão
Yuri Dantas Barroso cita preocupação com a preservação de direitos e garantias individuais previstos na Constituição Federal, como a liberdade de expressão e de pensamento.
“Uma crítica, ainda que contundente, especialmente quando voltada contra uma autoridade pública, um político, e tem como objeto sua atuação neste campo, e não no campo pessoal, não deveria jamais causar a ativação do aparato de repressão de estatal”, completa.
Para Barroso, a liberdade de expressão tem “posição preferencial, segundo o STF (Supremo Tribunal Federal) e o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), enquanto os políticos, em especial os com mandato, devem suportar com mais dureza o direito/liberdade de crítica, afinal eles exercem, por representação democrática, função eminentemente pública”.
O advogado explica a diferença entre o caso de Felipe Neto e a situação envolvendo o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), que foi preso em 16 de fevereiro por ter publicado um vídeo com ofensas e ataques a integrantes da corte.
“Se o Deputado Federal Daniel Silveira foi preso, por qual motivo o Felipe Neto não pode ser sequer ouvido? Bem, é porque as condutas são completamente diferentes”, afirmou Barroso.
De acordo com o Barroso, enquanto o Felipe Neto” adjetivou (ainda que negativamente e de modo ácido) o presidente da República de genocida, o deputado federal Daniel Silveira ameaçou pessoalmente os integrantes do STF, além de ter ameaçado a própria instituição”.
“Não quero dizer com isso que a fala inteira do deputado é reprovável. Nela também se acham críticas, ainda que duras; mas é fato que há tantas outras declarações que nem mesmo a garantia da liberdade de expressão é capaz de proteger”, afirmou Barroso.