A Igreja Católica lançou na Quarta-feira de Cinzas, dia 22 de fevereiro último, a Campanha da Fraternidade (CF) de 2023, que este ano tem o tema “Fraternidade e Fome” e o lema: “Dai-lhes vós mesmo de comer!” (Mt 14,116).
O tema é dos mais importantes para o Brasil, visto que a fome voltou ao país. Em 1990, o Betinho denunciava e mobilizava o Brasil porque havia 32 milhões de pessoas famintas e dizia que “a alma da fome é a política”.
Com políticas públicas durante os governos Lula e Dilma (2003-2014), com o Fome Zero, o Bolsa Família, a geração de emprego, as ações de cidadania e as estratégias de segurança alimentar o Brasil saiu do Mapa da Fome, reconhecido pela ONU.
Mas com os desgovernos após o Golpe de 2016, com a retirada de direitos, cortes de recursos para assistência social, saúde, educação, moradia e políticas sociais, aliada à pandemia da Covid-19, a fome voltou. O IBGE reconheceu que 33,1 milhões de pessoas não tem garantido o que comer.
No Amazonas, apesar de toda biodiversidade, conhecimento dos produtos alimentares, abundância de água e de peixes e tantas riquezas, infelizmente tem muita gente passando fome.
Segundo o Relatório da Rede PENSSAN, 2022, no Amazonas, 26% da população está na insegurança alimentar grave e 17% está na insegurança alimentar moderada.
O que é isso: insegurança grave é quando a pessoa está com fome, ou seja, sentir fome e não comer por falta de dinheiro para comprar alimentos; fazer apenas uma refeição ao dia, ou ficar o dia inteiro sem comer. Do total de 4,2 milhões de habitantes, 1,09 milhão de pessoas estão passando fome no Amazonas. É muta gente.
E na insegurança moderada é quando há redução quantitativa de alimentos e/ou ruptura nos padrões de alimentação resultante de falta de alimentos. Isso tudo porque as pessoas não possuem dinheiro para uma alimentação melhor. São mais 714 mil pessoas.
A fome traz muitas consequências como a desestruturação familiar, violência física, perda do sentido da vida, doenças, problemas de saúde mental, dificuldade na educação, problemas sociais, aumento da criminalidade, dentre outros.
Pelos dados do Cadastro Único, 58% das famílias que recebem o Bolsa Família têm renda per capita de até R$ 89. Ou seja, estas famílias se enquadram na faixa da extrema pobreza. É a terceira renda per capita mais baixa do país. Uma vergonha.
E tem mais. O estudo da UNICEF, divulgado dias atrás, mostra que o Brasil soma 32 milhões de crianças na pobreza, o que representa 63% das crianças e adolescentes no país. No caso do Amazonas a pobreza atinge 88% das crianças em função de várias dimensões: renda, educação, trabalho infantil, moradia, água, saneamento e informação (Acrítica, 15 e 18/02/23).
Por isso, que a Igreja Católica, através da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), trata do tema da fome mais uma vez. Em 1975 e 1985 o assunto também foi tema da Campanha, pois afeta os mais necessitados, mas atinge a toda a sociedade. Neste sentido, o Papa Francisco afirma que “não há democracia se existe fome” (Texto Base da CF/2023, p. 6). E disse mais: “…a fome não é só uma tragédia, mas também uma vergonha”. (p. 14).
Com esse olhar, o objetivo da CF/23 é sensibilizar a sociedade e a Igreja para enfrentarem o flagelo da fome, sofrido por multidão de irmãos e irmãs, por meio de compromissos que transformem esta realidade a partir do Evangelho de Jesus Cristo.
E guiado pelas palavras de Jesus Cristo, que disse aos seus discípulos: “Dai-lhes vós mesmos de comer! (Mt 14,16), a CF cobra de todas as pessoas que conheçam as causas da fome e as contradições de uma economia que mata pela fome, que haja compromisso e iniciativas individuais, comunitárias e sociais, que se lute pela produção e acesso a uma alimentação saudável e que se cobre políticas públicas para acabar com a vergonha da fome no país.
Que bom que agora temos de novo o Lula, que tem como prioridade o combate à fome. Ele quer ver toda família ter as três refeições do dia. É o compromisso público dele.
No período da Quaresma ocorre o tempo forte da Campanha. Um convite para jejum, oração e esmola, um convite para mudança de vida, com vistas à Pascoa, a vitória da vida contra a morte. Que possamos aproveitar o momento para assumir esse compromisso de mudar essa realidade da fome e garantirmos qualidade de vida para todo o povo do nosso estado e do país.
Em Manaus, a CF foi lançada com ato religioso, presidido pelo Arcebispo Cardeal Dom Leonardo Steiner, ocorrido ao lado da Feira da Manaus Moderna, em frente ao Rio Negro, local onde o povo vai todo dia para adquirir a alimentação.
Que o alimento como direito seja garantido a todas as pessoas. Boa Campanha!
José Ricardo Wendling é formado em Economia e em Direito. Pós-graduado em Gerência Financeira Empresarial e em Metodologia de Ensino Superior. Atuou como consultor econômico e professor universitário. Foi vereador de Manaus (2005 a 2010), deputado estadual (2011 a 2018) e deputado federal (2019 a 2022). Atualmente está concluindo mestrado em Estado, Governo e Políticas Públicas, pela escola Latina-Americana de Ciências Sociais.
Os artigos publicados neste espaço são de responsabilidade do autor e nem sempre refletem a linha editorial do AMAZONAS ATUAL.