Por Pepita Ortega, do Estadão Conteúdo
BRASÍLIA – Em aceno ao Executivo durante julgamento virtual iniciado nesta sexta-feira (3), o ministro Edson Fachin, do DTF (Supremo Tribunal Federal), defendeu que a Corte máxima não fixe tese sobre a criminalização do porte de “arma branca”. O argumento é o de que a regulamentação do tema está em tramitação na Casa Civil, para em seguida ser submetida ao crivo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Fachin disse que tal medida, em sua avaliação, está “amparada na máxima deferência ao legislador constitucional e busca prestigiar o princípio da separação dos Poderes”. Os demais integrantes da Corte máxima têm até a próxima sexta para se manifestarem sobre o tema.
O voto foi apresentado no bojo de um processo que tramita no STF desde 2015. Trata-se de recurso impetrado por um homem que foi condenado por porte de arma branca no interior de São Paulo. A alegação da defesa é a de que o crime é atípico vez que não há regulamentação sobre a suposta contravenção.
Ainda em 2015, o Supremo reconheceu a repercussão geral do processo. Isso significa que a Corte máxima definiria uma tese sobre o tema, a ser aplicada por tribunais de todo o País. A Procuradoria-Geral da República defendeu a proibição do porte de arma branca, “salvo se o agente demonstra a existência de justa causa para trazer consigo instrumento com especial potencialidade lesiva”.
Agora, Fachin defende que a decisão do STF no caso específico não sirva de orientação geral sobre a possibilidade (ou não) de criminalização de porte de arma branca, vez que, em sua avaliação, o governo está prestes a regulamentar o assunto.
O ministro explicou que, em 2023, requereu informações sobre o tema ao governo Lula, sendo que o Ministério da Justiça respondeu ter preparado uma minuta de decreto sobre o assunto, após a indagação de Fachin. Assim, o ministro entendeu que a regulamentação está avançando e está prestes a ser publicada.
No caso em específico, Fachin votou por absolver o acusado por, na frente de uma padaria, “portar arma branca fora de casa, sem licença de autoridade”. A denúncia argumentava que o denunciado é usuário contumaz de drogas e faz uso excessivo de bebidas alcoólicas. Narrava ainda que ele ia até a padaria para pedir dinheiro e ficava “revoltado e agressivo” com negativas. No dia no enquadro, ele teria sido visto no local com uma faca. Foi condenado ao pagamento de 15 dias-multa.
Fachin argumentou que tal narrativa no seria suficiente para imputar contravenção ao denunciado. “Ainda que fosse possível fixar que o objeto que portava tinha potencial para constituir-se em uma arma, essa leitura dos fatos alça um nível de insegurança, pelas possíveis divergências interpretativas, quiçá arbitrário e excessivo, o que é inaceitável para os padrões da legalidade e taxatividade penal”, anotou.
Segundo o relator, o Estado não pode exigir algo “sem que institua as condições para que as exigências sejam atendidas”. Fachin frisou que no caso, a regulamentação que a lei requer ainda não foi editada. Assim o ministro defendeu a impossibilidade de enquadramento do caso no artigo 19 da lei de contravenções penais, até a efetiva regulamentação.
‘Norma penal em branco’
Em seu voto, Fachin fez uma digressão sobre o artigo da Lei de Contravenções Penais no centro do julgamento – “Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença de autoridade”. Segundo o ministro do STF, tal redação está “eivada dubiedade” e exige complementação no sentido de precisar o conceito de arma e delimitar a competência para autorização de porte.
O ministro destacou que tal dispositivo é derivado de um decreto editado em 1941. Na avaliação do magistrado, tal cenário cria uma “cegueira de comportamento dupla”: “não sabe o contraventor o modo pelo qual incorreu em desvio de comportamento; não sabe o julgador especificar a norma malferida pelo imputado em seu atuar”.
Nessa linha, o magistrado entendeu não ser possível, sem a intervenção do legislador ou da autoridade administrativa para regulamentar o texto, exigir dos agentes que atuam no sistema de justiça criminal a aplicação da norma “sem que sua abertura semântica produza desvios não tolerados pelas exigências do princípio da taxatividade, corolário da legalidade”.
“Necessário seja explicitado em norma regulamentadora o que se considera arma para fins de integração da norma do art. 19, da LCP, bem como seja definida a competência e a forma para que autorização legal seja expedida. Com isto, o Estado se desincumbe do dever de instituir disposições completas e claras que orientem as pessoas sobre a licitude do comportamento de portar determinado objetos, para fins de configuração da contravenção citada”, frisou o ministro.