Por Felipe Campinas, da Redação
MANAUS – Preso na manhã desta quinta-feira, 8, com outras quatro pessoas na segunda etapa da Operação Sangria por suspeita de intermediar a compra de respiradores com sobrepreço de 133,67%, o empresário Gutemberg Alencar foi apontado pela ex-gerente de compras da Susam (Secretaria de Estado de Saúde) Alcineide Figueiredo Pinheiro, em depoimento à Polícia Federal, como operador da compra dos equipamentos.
Na segunda etapa da ‘Sangria’, Alencar, que também foi alvo de busca e apreensão, é identificado pelo MPF (Ministério Público Federal) como “homem de confiança” do governo do Estado. O empresário é capitão reformado da Polícia Militar do Amazonas.
Ao pedir a prisão do empresário, a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo citou o depoimento de Pinheiro. Segundo ela, Alencar teria sido destacado para intermediar as aquisições fraudulentas de respiradores e financiá-las, tendo sido responsável por indicar a loja de vinhos que vendeu os aparelhos ao estado.
Leia também: Saiba quem são os presos na segunda etapa da Operação Sangria, em Manaus
No depoimento à Polícia Federal na primeira fase da ‘Sangria’, a ex-gerente de compras da Susam Alcineide Pinheiro não disse ter recebido ordens diretas do governador, mas o citou em dois momentos. “Que a declarante informa que o secretário de Saúde, Rodrigo Tobias, afirmou que o governador havia mandado o Alencar para ajuda-los na compra dos respiradores”, consta no inquérito da PF.
Em outro trecho do depoimento, Alcineide Pinheiro afirmou ter dito ao secretário Rodrigo Tobias e ao secretário executivo da Susam, João Paulo Marques, que os respiradores não serviam para intubar pacientes e que ambos “abanaram a cabeça e disseram ‘vai ter que comprar, é de ordem’”.
De acordo com o MPF, Alcineide Pinheiro revelou como funcionou o esquema, afirmando que empresários iriam financiar as compras dos equipamentos médico-hospitalares durante a pandemia da Covid-19.
“Em seu interrogatório, ela destacou o empresário local Gutemberg Leão Alencar como sendo um dos responsáveis pelo esquema de financiamento dos ventiladores pulmonares, sendo que Rodrigo Tobias estava ciente e acompanhava todo o processo de aquisição fraudulenta dos ventiladores pulmonares”, afirmou Lindôra Araújo.
Em depoimento à Polícia Federal, Alcineide Pinheiro disse que Alencar foi apresentado a ela no dia 21 de março em reunião com o ex-secretário de Saúde Rodrigo Tobias e o ex-secretário executivo da Susam João Paulo Marques. Na ocasião, a ex-gerente de compras foi informada que, devido a Susam não ter meios para comprar os equipamentos, Alencar os compraria e, posteriormente, o Estado teria que pagá-lo.
Pinheiro disse que Alencar se apresentou como sócio do grupo Nova Era Supermercados. O empresário pediu informações sobre as propostas que a Susam tinha recebido.
A servidora da Susam citou que à época havia um processo de compra de respiradores ou ventiladores que viriam de Miami, da empresa Jalusa Corporation, e que, inclusive, esse processo já tinha a aprovação da SEA-Capital (Secretaria Executiva de Atenção Especializada da Capital). Segundo Pinheiro, cada equipamento custaria US$ 19 mil e mais as taxas.
O empresário disse a ex-gerente de compras que conhecia a pessoa responsável pela proposta da Jalusa, chamado Rubens, que seria namorado da irmã dele, e que depois telefonaria para ele.
Alcineide Pinheiro afirmou ao empresário que, naquele mês, a proposta mais recente para compra de respiradores era da empresa Sonoar e que a ex-secretária executiva adjunta de Saúde da capital Daiana Mejia havia a informado que os respiradores da Sonoar já haviam sido aprovados pelo setor técnico da SEA-Capital.
Entretanto, enquanto a proposta da Jalusa já havia avançado como um processo de dispensa, a proposta da Sonoar era apenas uma proposta. Segundo Pinheiro, Alencar disse que iria resolver a questão da proposta da empresa Sonoar, que havia apresentado a proposta mais barata, de R$ 87 mil por equipamento.
Na ocasião, Alencar perguntou quem era a representante da Sonoar e Pinheiro mostrou a ele o contato de Luciane de Andrade. O empresário reconheceu Andrade como fisioterapeuta dele ligou para a empresária para dizer que ele compraria os equipamentos.
Após a reunião com o empresário e os ex-secretários, Alencar passou a ligar várias vezes ao dia para apresentar propostas e contatos e para questionar se alguma das propostas preenchia os requisitos para a Susam comprar os respiradores porque, em caso positivo, ele compraria os produtos.
De acordo com Alcineide, no dia 2 de abril começou o processo para compra dos 28 respiradores e o processo foi protocolado pela SEA-Capital. Segundo ela, o processo não chegou com definição do fornecedor, mas, pela descrição, ela já imaginava que seriam os equipamentos da Sonoar.
“Que esse processo foi protocolado pela SEA-Capital e chegou para a declarante já com a autorização do Secretário Executivo João Paulo; Que os processos chegam para a declarante com a especificação do produto e a autorização do secretário executivo”, diz trecho do termo de declaração de Pinheiro.
Alcineide disse que o processo chegou a ela com descrição genérica e no dia 2 de abril avisou os ex-secretários Tobias e Marques que os equipamentos vendidos pela Sonoar não serviriam para intubar pacientes e foi quando eles abanaram a cabeça e disseram: ‘vai ter que comprar, é de ordem’.
A ex-gerente de compras afirmou que fez as cotações dos fornecedores e que Alencar já havia passado o contato para ela do dono da FJAP Importadora, Fábio Passos, e avisou que ele iria fornecer a proposta. Nessa época, Pinheiro foi pressionada pelo então presidente da CGL (Comissão Geral de Licitação) Walter Siqueira Brito para acelerar o processo e selecionar a FJAP Importadora.
O preço oferecido pela FJAP foi o mais barato, segundo Alcineide. Ela disse à delegada que elaborou o mapa de preços e encaminhou para o setor financeiro e que o setor técnico elaborou um parecer no sentido de que aqueles respiradores serviriam para leitos de retaguarda.
A ex-gerente de compras afirmou que o processo foi instruído no sistema de compras do governo no dia 8 de abril e que esse processo deveria ter voltado para a CSC (Centro de Serviços Compartilhados), mas foi remetido para o gabinete. Segundo Pinheiro, servidores do setor jurídico da CSC informaram que havia várias inconsistências, incluindo a falta de atestado de capacidade técnica da FJAP, mas que as corrigiriam posteriormente.
De acordo com Alcineide, a Sonoar não apresentou proposta nesse processo porque já havia negociado com Alencar.
Após a compra dos respiradores, a FJAP Importadora tentou instruir mais dois processos, sendo que um deles eram os mesmos respiradores da empresa Jalusa, segundo Alcineide Pinheiro. No entanto, a proposta da loja de vinhos era 40% mais cara. O outro processo seria para compra de 200 respiradores da empresa Rocgear. Ambos foram arquivados.
Superfaturamento
Na peça enviada ao STJ, a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo indica que o inquérito em curso investiga o direcionamento na contratação da empresa; sobrepreço e superfaturamento na aquisição dos respiradores; organização criminosa; lavagem de dinheiro; montagem de processos e adulteração de documentos, com a finalidade de encobrir os crimes praticados.
Para Lindôra Araújo, há “uma verdadeira organização criminosa que se instalou na estrutura do governo do estado do Amazonas, com o objetivo de desviar recursos públicos destinados a atender às necessidades da pandemia de covid-19”.
Leia também: Vice-governador é alvo de segunda etapa da Operação Sangria no Amazonas
O esquema de compra fraudulenta de 28 respiradores teria movimentado R$ 2,9 milhões, com envolvimento direto da cúpula do poder do estado. Um laudo pericial da PF atesta sobrepreço de 133,67% na compra feita pela Secretaria de Saúde do estado com dispensa de licitação. Os respiradores foram fornecidos por empresa especializada no ramo de bebidas alcoólicas, denominada “Vineria Adega”.
Em uma manobra conhecida como triangulação, uma outra empresa vendeu os respiradores à adega por R$ 2,4 milhões; essa, por sua vez, repassou os equipamentos ao governo do Amazonas por R$ 2,9 milhões. A suspeita de superfaturamento de R$ 496 mil foi registrada pela Controladoria-Geral da União, assim como o direcionamento da venda.