Da Redação
MANAUS – A ex-gerente de compras da Susam (Secretaria de Estado de Saúde) Alcineide Figueiredo Pinheiro afirmou, em depoimento à Polícia Federal no dia 30 de junho, na Operação Sangria, ao qual o ATUAL teve acesso, que a compra dos respiradores pulmonares teve interferência de um empresário identificado como ‘Alencar’, que supostamente agiu a mando do governador Wilson Lima (PSC).
No depoimento, a gerente de compras da Susam não diz ter recebido ordens diretas do governador, mas o cita em dois momentos.
No primeiro, ela diz que ao ser apresentada a Alencar, ouviu do então secretário de Saúde, Rodrigo Tobias, que o governador o mandou para ajuda-los na compra dos respiradores.
“QUE a declarante informa que o secretário de Saúde, Rodrigo Tobias, afirmou que o governador havia mandado o Alencar para ajuda-los na compra dos respiradores”.
Em outro trecho do depoimento, Alcineide Pinheiro afirma ter dito ao secretário Rodrigo Tobias e ao secretário executivo da Susam, João Paulo Marques, que os respiradores não serviam para entubar pacientes e que ambos “abanaram a cabeça e disseram ‘vai ter que comprar, é de ordem’”.
“QUE a declarante entendeu que a ordem emanou do governador, já que ele seria o superior do secretário”.
De acordo com Alcineide Pinheiro, Alencar foi apresentado a ela no dia 21 de março em reunião com o ex-secretário de Saúde Rodrigo Tobias e o ex-secretário executivo da Susam João Paulo Marques. Na ocasião, a ex-gerente de compras foi informada que, devido a Susam não ter meios para comprar os equipamentos, Alencar os compraria e, posteriormente, o Estado teria que pagá-lo.
A reportagem do ATUAL apurou que Alencar é o empresário Guttemberg Alencar, capitão reformado da Polícia Militar do Amazonas, que já transitou em governos passados.
Naquela reunião, segundo Pinheiro, Alencar se apresentou como sócio do grupo Nova Era Supermercados e que estaria oferecendo ajuda a pedido do governador Wilson Lima. O empresário pediu informações sobre as propostas que a Susam tinha recebido.
A servidora da Susam citou que à época havia um processo de compra de respiradores ou ventiladores que viriam de Miami, da empresa Jalusa Corporation, e que, inclusive, esse processo já tinha a aprovação da SEA-Capital (Secretaria Executiva de Atenção Especializada da Capital). Segundo Pinheiro, cada equipamento custaria US$ 19.000,00 e mais as taxas.
O empresário disse a ex-gerente de compras que conhecia a pessoa responsável pela proposta da Jalusa, chamado Rubens, que seria namorado da irmã de Alencar, e que depois telefonaria para ele.
Alcineide Pinheiro afirmou ao empresário que, à época, a proposta mais recente para compra de respiradores era da empresa Sonoar e que a ex-secretária executiva adjunta de Saúde da capital Daiana Mejia a informou que os respiradores da Sonoar já haviam sido aprovados pelo setor técnico da SEA-Capital.
Entretanto, enquanto a proposta da Jalusa já havia avançado como um processo de dispensa, a proposta da Sonoar era apenas uma proposta. Segundo Pinheiro, Alencar disse que iria resolver a questão da proposta da empresa Sonoar, que havia apresentado a proposta mais barata, de R$ 87 mil por equipamento.
Na ocasião, Alencar perguntou quem era a representante da Sonoar e Pinheiro mostrou a ele o contato de Luciane de Andrade. O empresário reconheceu Andrade como fisioterapeuta dele ligou para a empresária para dizer que ele compraria os equipamentos.
Após a reunião com o empresário e os ex-secretários, Alencar passou a ligar várias vezes ao dia para apresentar propostas e contatos e para questionar se alguma das propostas preenchia os requisitos para a Susam comprar os respiradores porque, em caso positivo, ele compraria os produtos.
De acordo com Alcineide, no dia 2 de abril começou o processo para compra dos 28 respiradores e o processo foi protocolado pela SEA-Capital. Segundo ela, o processo não chegou com definição do fornecedor, mas, pela descrição, ela já imaginava que seriam os equipamentos da Sonoar.
“Que esse processo foi protocolado pela SEA-Capital e chegou para a declarante já com a autorização do Secretário Executivo João Paulo; Que os processos chegam para a declarante com a especificação do produto e a autorização do secretário executivo”.
Alcineide disse que o processo chegou a ela com descrição genérica e no dia 2 de abril avisou os ex-secretários Tobias e Marques que os equipamentos vendidos pela Sonoar não serviriam para intubar pacientes e foi quando eles abanaram a cabeça e disseram: ‘vai ter que comprar, é de ordem’.
Loja de vinhos
A ex-gerente de compras afirmou que fez as cotações dos fornecedores e que Alencar já havia passado o contato para ela do dono da FJAP Importadora, Fábio Passos, e avisou que ele iria fornecer a proposta. Nessa época, Pinheiro foi pressionada pelo então presidente da CGL (Comissão Geral de Licitação) Walter Siqueira Brito para acelerar o processo e selecionar a FJAP Importadora.
O preço oferecido pela FJAP foi o mais barato, segundo Alcineide. Ela disse à delegada que elaborou o mapa de preços e encaminhou para o setor financeiro e que o setor técnico elaborou um parecer no sentido de que aqueles respiradores serviriam para leitos de retaguarda.
A ex-gerente de compras afirmou que o processo foi instruído no sistema de compras do governo no dia 8 de abril e que esse processo deveria ter voltado para a CSC (Centro de Serviços Compartilhados), mas foi remetido para o gabinete. Segundo Pinheiro, servidores do setor jurídico da CSC informaram que havia várias inconsistências, incluindo a falta de atestado de capacidade técnica da FJAP, mas que as corrigiriam posteriormente.
De acordo com Alcineide, a Sonoar não apresentou proposta nesse processo porque já havia negociado com Alencar.
Após a compra dos respiradores, a FJAP Importadora tentou instruir mais dois processos, sendo que um deles eram os mesmos respiradores da empresa Jalusa, segundo Alcineide Pinheiro. No entanto, a proposta da loja de vinhos era 40% mais cara. O outro processo seria para compra de 200 respiradores da empresa Rocgear. Ambos foram arquivados.
Outro lado
A Secretaria de Comunicação do Governo do Amazonas enviou a seguinte nota:
“O Governo do Amazonas informa que as secretarias possuem autonomia administrativa e de gestão e não há a necessidade de consulta ao governador para a aquisição de produtos ou serviços. Desta forma, não procede a informação de que o governador tenha ordenado ou interferido no processo de aquisição desses equipamentos.”
Leia o termo de declaração de Alcineide Pinheiro: