EDITORIAL
MANAUS – A semana começou com a notícia de que os bancos brasileiros privados e públicos registraram lucro líquido de R$ 62 bilhões no primeiro semestre deste ano. O Banco Central deu a notícia com euforia, como se a façanha dos bancos fosse uma vitória dos brasileiros.
No mesmo dia em que a notícia foi divulgada, um vídeo feito em Fortaleza (CE) mostrava pessoas em situação de vulnerabilidade econômica e social revirando lixo em um caminhão de coleta em busca de comida. O caminhão recolhe o lixo de um supermercado em que as pessoas se põem na porta de saída do lixo e disputam os restos que podem matar a fome.
Curiosamente, o diretor de Fiscalização do Banco Central, Paulo de Souza, que atuou como o porta-voz da boa notícia, disse que a rentabilidade do sistema financeiro no primeiro semestre deste ano voltou ao nível pré-pandemia: “Em termos de Covid-19, a não ser que surja uma nova cepa, eu diria que o estresse causado pela pandemia passou”, disse o eufórico Paulo de Souza.
Em 2020, no prior cenário da pandemia para a economia brasileira, os bancos tiveram um lucro líquido de R$ 40 bilhões no primeiro semestre. Naquele momento, milhares de empresas entraram no vermelho e milhões de brasileiros perderam o emprego em diversos setores, mas os bancos sofreram apenas uma leve redução nos lucros.
O representante do Banco Central dá outro recado intrigante sobre a rentabilidade dos bancos: “Os resultados tendem a seguir melhorando com o avanço da vacinação e com a recuperação da atividade econômica, mas as incertezas do atual momento econômico seguem acima do usual. Uma recuperação mais lenta da atividade pode prejudicar o cenário para a rentabilidade do sistema à frente”, diz o estudo.
Ou seja, Paulo de Souza está preocupado que no segundo semestre esses R$ 62 bilhões de lucro fiquem estagnados. “Os resultados tendem a seguir melhorando”, diz o diretor do BC. Se assim for, o Brasil estará cada vez pior, porque o aumento do lucro dos bancos representa o empobrecimento da população.
Nesta sexta-feira (22), por exemplo, o “Salarômetro”, um boletim da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), mostra o fracasso para a maioria das categorias de trabalhadores nas negociações de reajuste salarial.
Dos acordos formalizados entre trabalhadores e empresas e registrados no Ministério do Trabalho e Previdência, 67% terminaram em encolhimento dos salários, sem compensar pelo menos a inflação do ano anterior. Em apenas 9,5% das negociações houve ganho real aos trabalhadores. E 23,5% tiveram apenas a correção da inflação pelo INPC, de 10,4%.
Voltando aos lucros dos bancos, no ano passado, em meio à crise sanitária, eles lucraram R$ 88,6 bilhões. Em 2019, ano com o melhor lucro líquido do setor bancário, as instituições financeiras lucraram R$ 119,7 bilhões.
Essa curva ascendente do lucro líquido dos bancos começa no segundo semestre de 2016, ano do impeachment da presidente Dilma Rousseff, e ascensão de Michel Temer ao Palácio do Planalto. Naquele semestre, o lucro líquido dos bancos foi de R$ 33,4 bilhões. No semestre seguinte, o primeiro de 2017, saltou para R$ 40,9 bilhões e R$ 44 bilhões no segundo semestre do mesmo ano.
Em 2018, os bancos bateram novo recorde, com lucros de R$ 49 bilhões no primeiro semestre e de R$ 49,5 bilhões no segundo.
No governo Bolsonaro, a farra começou boa, em 2019, com R$ 60 bilhões de lucro líquido no primeiro semestre e R$ 59,7 bilhões no segundo.
Com a pandemia, em 2020, os bancos tiveram os lucros reduzidos, mas não desceram nem próximo ao patamar registrado em 2016.
Os números mostram como a política econômica tanto de Temer quando de Bolsonaro privilegia o mercado financeiro e empurra a grande maioria da população para a miséria.
É isso que explica a reação do mercado financeiro ao anúncio de que o governo vai furar o teto de gastos para pagar R$ 400 do Auxílio Brasil às famílias mais carentes.
Furar o teto de gastos significa um risco de não garantir os lucros dos bancos nos patamares que estamos vendo agora, ainda na pandemia. Aliás, é bom lembrar que o teto de gastos no Orçamento da União foi uma invenção de Temer, exatamente para garantir o pagamento da dívida pública aos bancos, que por ano, recebem cerca de R$ 1 trilhão do governo.