Por Fernanda Brigatti, da Folhapress
SÃO PAULO – Já está em vigor a obrigatoriedade para que as comissões de prevenção de acidentes das empresas, as Cipas, passem a prever também o combate ao assédio em suas ações.
A mudança não atinge apenas o nome desses comitês. As empresas obrigadas a ter Cipa também têm de adotar pelo menos três medidas para garantir um ambiente de trabalho livre de assédio sexual e de outras formas de violência.
As companhias têm de definir regras de conduta para coibir assédio e violência na empresa e fazer ampla divulgação delas, precisam criar um canal de recebimento e acompanhamento denúncias e a definição de sanções aos responsáveis.
Por último, uma vez a cada 12 meses, funcionários de todos os níveis hierárquicos terão de passar por treinamentos.
A lei 14.457/22, que criou a obrigação, e a portaria 4.219 de 2022, que a detalhou, define esses treinamentos como “ações de capacitação, de orientação e de sensibilização” para temas “relacionados à violência, ao assédio, à igualdade e à diversidade no âmbito do trabalho”.
A portaria entrou em vigor no dia 20 de março, mas, na avaliação de advogados, empresas que ainda não estiverem com todas as medidas implantadas não deverão sofrer punições de imediato, especialmente se demonstrarem que as novas regras estão em implantação.
A maior preocupação deve ser, na avaliação da advogada Gabriela Lima, sócia trabalhista do escritório TozziniFreire, reputacional -é cada vez mais relevante para a opinião pública que uma companhia demonstre preocupação com o assunto- e do eventual efeito dessa omissão no caso de uma ação judicial.
“Muitas empresas já vinham prestando atenção nisso, nessa necessidade. Um ponto negativo da lei é que ele não estabeleceu uma multa”, diz a advogada. Nesses casos, vale a punição prevista para o descumprimento de normas regulamentadoras, as NRs, que variam de acordo com o tipo de infração e do número de funcionários.
“Em geral, não é uma multa muito alta, de aproximadamente R$ 700. Porém, se a empresa não implementou e houve um caso de assédio e isso é judicializado, a situação fica mais complicada”, afirma.
O Ministério do Trabalho e Emprego diz que as empresas fiscalizadas a partir da validade da nova regra estão sujeitas ao “critério de dupla visita”. Se em uma primeira auditoria as mudanças não estiverem implementadas, a empresa será instruída pela inspeção do trabalho e passará por nova vistoria 90 dias depois.
O advogado Cristian Baldani, sócio da área trabalhista do escritório Veirano, destaca que as obrigações valem para todos empregados.
Ainda que muitas companhias já viessem implantando programação de conscientização em casos de assédio e de promoção de um ambiente de trabalho seguro, a regra em vigora agora prevê a obrigação a “todos, desde o chão de fábrica ao presidente da empresa”.
A lei 14.457/22, que estabeleceu essas medidas de prevenção e combate ao assédio, é a mesma que criou, no ano passado, o programa Emprega Mais Mulheres, com políticas de estímulo à empregabilidade feminina.
A maior parte das previsões dessa legislação são opcionais -as companhias ficam autorizadas a adotar certos benefícios ou políticas de reequilíbrio da parentalidade. A mudança na Cipa é uma das poucas obrigações, ainda que restrita às empresas que têm essas comissões internas.
Essa restrição, porém, não deve limitar as empresas. Para o advogado do escritório Cascione, Rodrigo Nunes, as companhias não podem deixar o controle do assédio sexual no ambiente de trabalho somente a cargo da Cipa. “É preciso desenvolver um programa dentro da empresa”.
A advogada Tainã Góis, da Rede Feminina de Juristas, destaca que as empresas e os locais de trabalho são diretamente responsáveis pelo que acontece sob seus ambientes. “É importante não individualizar a responsabilidade. É assédio quando acontece no happy hour, se acontece na festa da empresa, se acontece no WhatsApp. Tudo isso é responsabilidade da empresa”.
O Ministério do Trabalho e Emprego diz que não há um registro das Cipa. Portanto, não é possível dizer quantas empresas têm a comissão e quantas já adotaram as modificações previstas na legislação e na portaria.
Segundo a pasta, o último levantamento de dados feito sobre esses comitês, em 2018, estimou em 500 mil os integrantes das Cipa, sem apontar o número de comissões.
A legislação que mexeu na Cipa teve efeitos também sobre quem implanta canal de denúncias. A Contato Seguro diz ter percebido um aumento gradual na procura pela criação desse serviço a partir de setembro do ano passado, quando a lei foi publicada.
Nos últimos seis meses, a procura dobrou, segundo Diego Galvão, sócio-diretor da companhia. Ele diz ter notado ainda que mais empresas menores passaram a buscar pela criação dos canais para recebimento de denúncias. Antes, afirma o empresário, esse interesse era visto mais frequentemente em companhias com mais de mil empregados.
Cipa obrigatória
A regra geral para uma empresa precisar de uma comissão dessa é o número de funcionários e o tipo de atividade desenvolvida. O Ministério do Trabalho e Emprego define graus de risco das atividades econômicas.
Para empresas com grau de risco 3 e 4, a obrigação de ter Cipa existe quando há a partir de 20 funcionários. No caso do grau 2, a partir de 51 empregados. Já aquelas enquadradas no grau 1 precisarão constituir a comissão se tiverem mais de 80 funcionários.
A classificação de risco de cada empresa é definida em outra norma regulamentadora, a NR-4. Ela estabelece, por exemplo, que o comércio varejista de bebidas é grau 2 de risco, enquanto o de carnes e pescados (açougues e peixarias), é grau 3.
Atividades administrativas, como bancos, fundos de investimentos, planos de saúde, gestão de aluguéis, agência de empregos e de viagens, são todas grau 1 de risco, segundo a classificação do Ministério do Trabalho e Emprego.
Na outra ponta, obras de infraestrutura, como construção de rodovias e ferrovias, demolição, perfuração e sondagens, são atividades de grau 4 de risco.