EDITORIAL
MANAUS – A campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reeleição, insiste em fazer uma campanha baseada no medo, explorando a boa fé das pessoas, com um discurso de que está em jogo a luta do bem contra o mal.
O bem, no caso, seria o presidente e o mal todos os seus adversários. A eleição para presidente da República não é uma luta do bem contra o mal, mas uma escolha entre quem sabe ou quem pode e quem não sabe ou não tem condições de governar o país.
Na manhã de domingo (7), em um culto na capital mineira (Belo Horizonte), a primeira-dama Michelle Bolsonaro, ao lado do marido, fez um discurso nessa linha do medo, com uma série de informações que não podem ser confirmadas, mas muito bem assimiladas pelos que tem na religião seu refúgio e fortaleza.
Michelle Bolsonaro disse que o Palácio do Planalto, por muitos anos, foi um lugar consagrado a demônios. Não se tinha notícia até este domingo da presença de demônios no local. A primeira-dama também não disse quem consagrou o Planalto a demônios.
A fala da primeira-dama é apenas um jogo de retórica para tentar convencer o eleitor, através do medo – demônios são seres que causam arrepios em quem neles acredita –, de que Bolsonaro é um homem de Deus. Aliás esse é o mote da campanha eleitoral do presidente. Os bolsonaristas têm vendido nas redes sociais a ideia de que ele é um enviado de Deus.
E isso Michelle também disse no discurso de domingo: ela e o marido não estão no Palácio do Planalto por vontade própria, mas por vontade de Deus. E Bolsonaro, no mesmo evento, reforçou o discurso de Michelle.
“Entendo que a função que ocupo é missão de Deus, até pelas circunstâncias. Em três pequenas frases que eu mais ouço quando estou no meio do povo. Isso é uma constante, mesmo durante a pandemia estive no meio do povo. São elas: não desista, Deus te abençoe e estamos orando por você”.
Se o casal acredita ou não em Deus, não se discute. O fato é que eles acreditam que o discurso de que liga o presidente a Deus pode lhe render bons votos.
O comportamento de Bolsonaro, no entanto, ao longo de três anos e oito meses no Palácio do Planalto, não é de um representante de Deus, considerado todos os ensinamentos contidos nos livros sagrados. Deus é amor, e Bolsonaro prega o ódio. Deus é vida e Bolsonaro prega a morte. Deus é perdão e Bolsonaro exacerba o rancor e desrespeita os adversários.
Mas governar não é um apego à religião. O governante pode e deve viver sua fé, mas não pode esquecer da laicidade do Estado. Precisa respeitar todas as religiões, e o Estado precisa garantir a liberdade religiosa, uma garantia constitucional.
Governar é uma atividade humana que exige diálogo, negociação, decisão, sempre pensando na coletividade, não em setores isolados da sociedade. Durante todo o governo Bolsonaro, o diálogo foi jogado na lata do lixo. O presidente elegeu inimigos e guerreou contra eles até nos momentos mais difíceis da pandemia de Covid-19.
A economia do país deu uma guinada para baixo, com inflação alta, dólar alto e salários congelados. O poder de compra dos brasileiros foi achatado pela alta de preços, aumentando a desigualdade social.
Como consequência, milhares de pessoas saíram da linha da pobreza para a linha da miséria. Durante todo o governo, essas pessoas foram tratadas com desdém. Na pandemia, o governo ofereceu uma ajuda de R$ 200. Foi o Congresso Nacional que rejeitou o valor e aumentou a oferta para R$ 600.
As últimas parcelas do auxílio, em 2020, caíram para R$ 300. No ano passado, foi esse valor que o governo sugeriu como auxílio fixo (o valor pago na pandemia era temporário). De novo foi o Congresso Nacional que aumentou para R$ 400. A oposição queria R$ 600.
Neste ano, pensando na reeleição, Bolsonaro elevou o auxílio para R$ 600, mas até dezembro. Passada a eleição, não se sabe em quanto ficará o valor.
São essas pessoas que recebem o auxílio as que mais buscam a religião como tábua de salvação, e é para essas pessoas as mensagens da propaganda eleitoral disfarçada ou explícita nos cultos evangélicos e nos eventos religiosos em geral.
Vale tudo para conquistar o voto. Mesmo durante um culto regioso é permitido mentir em nome de Deus. A política faz isso. Coloca tudo em um liquidificador e mistura, desde que o resultado seja a conquista de votos.