Da Redação
MANAUS – O TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas) considerou ilegal a venda de cartão de crédito consignado a clientes de bancos no estado. O processo, segundo a DPE (Defensoria Pública do Estado), autora da ação, foi motivado pela grande quantidade de ações envolvendo cobranças indevidas com cartão de crédito consignado e de divergências de entendimento nas decisões da Justiça.
O desembargador relator, José Hamilton Saraiva dos Santos, aceitou a tese defendida pela Defensoria. Ele teve o voto seguido pelos demais desembargadores no plenário do TJAM
O subdefensor geral Thiago Nobre Rosas argumentou que a falta ou precariedade de informações pelas instituições financeiras induzem o consumidor a imaginar que está contratando um empréstimo consignado, como qualquer outro, e que o cartão se apresenta como valor agregado de que pode ou não fazer uso.
“Assim, os consumidores só percebem que não estão diante de um empréstimo consignado simples, após anos de pagamento, quando já pagaram duas ou três vezes o valor solicitado e ainda resta um saldo devedor exorbitante. E o que é pior, para pagamento à vista”, disse.
Na prática, o que ocorre é que em um primeiro momento o consumidor vai à instituição financeira para obter um simples empréstimo consignado. O banco, por sua vez, realiza outra operação, a contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC).
Segundo Thiago Rosas, através dessa outra operação, muitas vezes desconhecida pelo consumidor, credita-se na conta do interessado o valor total do empréstimo pretendido, antes mesmo do desbloqueio do cartão de crédito e sem que seja necessária, na maioria das vezes, a utilização do cartão. Com isso, no mês seguinte, a cobrança do pagamento integral do montante emprestado é feita na fatura do cartão.
Rosas explicou que caso o consumidor pague integralmente o valor cobrado, nada mais será devido. Mas se não o fizer, é descontado em folha apenas o valor mínimo desta fatura (o equivalente a 6% do total da fatura) e, sobre a diferença, incidem encargos rotativos, muito superiores aos praticados pelo mercado em se tratando de consignados em geral.
A DPE argumentou que o consumidor, na quase totalidade dos casos, não tem acesso a informações básicas sobre a operação realizada, tais como data de início e nem de término das parcelas, percentual de juros incidente ou o custo efetivo com e sem juros. Também sustentou que o consumidor que busca um empréstimo, em quase a sua totalidade, não tem meios de pagar o valor total de uma vez só, e que os valores são debitados diretamente de sua conta, por se tratar de empréstimo consignado. Portanto, não há então como escapar da “armadilha financeira”.
‘Bola de Neve’
Na ação a DPE citou o caso de um consumidor aposentado que procurou o banco para obter empréstimo consignado. Após alguns meses descontando regularmente o empréstimo, ele recebeu na conta bancária um novo crédito, no valor de R$ 3.992,00, sem saber que se tratava de um “saque” de cartão de crédito diretamente na conta. A partir de outubro de 2014 o consumidor começou a receber os descontos em sua aposentadoria, no valor de R$ 220,87.
A DPE alegou que os contratos firmados pelo consumidor não traziam informações financeiras básicas, tais como valor total a pagar e número e periodicidade das prestações, em desrespeito ao que define o Código de Defesa do Consumidor.
Após o pagamento de 59 parcelas durante cinco anos, totalizando R$ 12.781,59, mais do que o triplo do valor original emprestado, ainda restava um saldo a pagar de R$ 3,2 mil. Na prática, após cinco anos de pagamentos do valor emprestado originalmente (R$ 3.992) foi amortizada apenas a quantia de R$ 722,99, o que representa 18% do valor original. No período, portanto, foram pagos juros de R$ 12.058,60.
Dessa forma, o cliente precisaria de décadas para quitar a sua dívida. A DPE considerou que a lesividade do contrato em prejuízo do consumidor é evidente e afirmou que a instituição financeira se prevaleceu daa posição de superioridade contratual.
“Há, além disso, outro fato que contribui para a caracterização da abusividade da prática dos cartões de crédito consignado. Assim como no caso do assistido em referência, o consumidor sai do banco convicto de que celebrou um contrato de empréstimo consignado. Com isso, ele supõe que o valor constante da fatura enviada à sua residência é de pagamento opcional, caso queira quitar mais rapidamente o empréstimo realizado. A inadimplência deste tipo de contratação, pois, nunca é esporádica”, diz trecho da manifestação da DPE.
Decisão
No julgamento, o TJAM fixou teses a serem seguidas a partir de agora. Entre elas está a de que não existe contrato de empréstimo com cartão de crédito, sendo, uma, a modalidade principal e, outra, a modalidade secundária. Assim, há violação ao direito à informação, tendo em vista que o contrato de cartão de crédito consignado é um contrato autônomo.
Também foi considerado o entendimento de que as instituições financeiras que não informarem ou incorrerem em falha de informações prestadas aos consumidores deverão restituí-los, em dobro, os valores cobrados a mais.
Outro entendimento é o de que as instituições financeiras devem demonstrar, sem nenhuma dúvida, que informaram os consumidores de forma clara sobre os termos de contratação dos cartões de crédito consignados, objetiva e em linguagem fácil, os meios de quitação da dívida, como obter acesso às faturas, informações no sentido de que o valor do saque será integralmente cobrado no mês seguinte, informações no sentido de que apenas o valor mínimo da fatura será debitado, diretamente, dos proventos do consumidor.
Também devem dar informações claras de que a ausência de pagamento da integralidade do valor dessas faturas acarretará a incidência de encargos rotativos sobre o saldo devedor. Além destes requisitos, os bancos deverão provar que disponibilizaram cópia dos contratos aos consumidores, cujas assinaturas, obrigatoriamente, constarão de todas as páginas do contrato.
Foi considerado ainda que há dano moral quando a contratação do cartão de crédito consignado ocorre sem a ciência dos verdadeiros termos contratuais, seja por intenção da instituição financeira ou por erro de interpretação do consumidor, causado pela fragilidade das informações fornecidas.