Por Fábio Zanini, da Folhapress
SÃO PAULO – A eleição municipal em São Paulo colocou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva frente a um dilema. Aliados o descrevem como constrangido e, segundo alguns relatos, irritado com o cenário colocado para o PT e outras candidaturas de esquerda na maior cidade do país.
De um lado, há a preocupação do maior líder do partido com a baixa viabilidade eleitoral do pré-candidato petista, o ex-deputado federal Jilmar Tatto. De outro, um sentimento de lealdade pessoal com uma sombra ao PT que cresce no campo da esquerda, a do líder sem-teto Guilherme Boulos (PSOL).
Segundo relatos de pessoas próximas do ex-presidente, ele enxerga três cenários para a eleição: um aceitável (mas improvável), outro negativo e um terceiro catastrófico.
O primeiro seria Tatto chegar ao 2º turno, uma vez que vencer a eleição é uma hipótese tida como irreal. Nesse caso, o PT ao menos resgataria seu lugar como protagonista na cidade, que ficou abalado com a derrota em 1º turno de Fernando Haddad, em 2016.
A chance maior neste momento, no entanto, é Tatto ficar fora da rodada final. Seria a segunda eleição consecutiva em que isso aconteceria, o que escancararia o desgaste da imagem do PT numa cidade que já governou três vezes.
Mas há uma possibilidade ainda pior, que seria ficar atrás de Boulos. Isso transformaria o PT num ator secundário no campo de esquerda, a exemplo do que já acontece no Rio de Janeiro, por exemplo.
Segundo petistas próximos ao ex-presidente, a avaliação é que esse cenário é difícil de acontecer, pela presença organizada do partido em todos os rincões da cidade. Mas ninguém o descarta por completo.
Uma participação mais efetiva de Lula na campanha de Tatto se choca com sua ligação pessoal com o pré-candidato do PSOL, que se estreitou muito durante a prisão do petista em Curitiba, de abril de 2018 a novembro de 2019.
Na liderança da Frente Povo Sem Medo, coalizão de movimentos de esquerda, Boulos organizou atos condenando a prisão que valeram a gratidão de Lula. Além disso, hoje a aliança do PT com o PSOL é muito mais forte do que com outras legendas de esquerda. Ironicamente, o partido foi criado em 2005 a partir de uma dissidência aberta por petistas insatisfeitos com a política econômica e os casos de corrupção do governo Lula.
Por essas razões, o ex-presidente tem se esquivado de tomar alguma atitude que possa ser vista como prejudicial a Boulos ou aos psolistas, mesmo quando isso envolve danos imediatos à candidatura de Tatto.
O maior exemplo é seu silêncio quanto à sucessão de apoios de intelectuais e líderes petistas a Boulos. Alguns deles são bastante próximos ao ex-presidente, como o ex-ministro Celso Amorim (Relações Exteriores), o ex-porta-voz André Singer e o ex-assessor especial Frei Betto.
“O Lula respeita muito as opiniões. Não confunde amizade pessoal com diferenças políticas”, afirma Betto. “Apoio o Boulos porque ele e a (Luiza) Erundina (candidata a vice) têm a melhor proposta para redução da desigualdade na cidade. Não vejo isso em nenhum dos outros candidatos, nem na esquerda”.
Uma preocupação de petistas é com o poder multiplicador de apoios de intelectuais e artistas a Boulos, especialmente junto à classe média, jovens e eleitores atuantes em redes sociais. São setores considerados fundamentais para resgatar a imagem do partido para além de suas bases cativas na periferia. O próximo passo do PSOL é tentar aumentar sua presença na área jurídica, com um manifesto com advogados pró-Boulos.
Ao mesmo tempo, as demonstrações explícitas de falta de confiança no nome de Tatto continuam. Na última reunião do diretório nacional do PT, uma proposta para o partido ‘convocar’ Haddad para ser o candidato a prefeito chegou a ser discutida. Acabou não prosperando, com o argumento de que a escolha de Tatto já estava sacramentada.
O ex-prefeito era o candidato favorito de Lula na cidade, mas recusou os insistentes apelos, dizendo que preferia ajudar nacionalmente o partido. Na última quinta-feira, 27, numa reunião, o ex-presidente brincou com Haddad ao vê-lo mais magro. “É que estou percorrendo o território nacional virtualmente”, justificou o ex-prefeito, dizendo que já havia feito dezenas de lives para candidatos.
Lula, em algum momento, deve começar a fazer o mesmo. O diretório nacional petista ainda organiza sua participação nas campanhas, que será majoritariamente virtual, em razão da pandemia.
Mesmo desanimado, o ex-presidente entrará na campanha de Tatto. Participará da convenção do partido na cidade, que ocorrerá também em ambiente virtual, em 12 de setembro. Também gravará vídeos para os programas de TV, rádio e internet.
“Lula vai participar muito da campanha, seja nas ruas ou pela internet. A agenda dele ainda está sendo montada, porque são muitas cidades importantes que querem a presença dele”, diz o presidente municipal do PT, Laércio Ribeiro, que também coordena a campanha de Tatto.
Segundo ele, o foco do partido não está nos apoios recebidos pelo PSOL. “O Boulos tem uma relação muito boa com o PT, mas nosso inimigo são os candidatos do eixo Bolsodoria”.
Para injetar ânimo na campanha, os petistas planejam aumentar a presença de Haddad na campanha, divulgar manifestos setoriais e anunciar em breve a candidata a vice, que será uma mulher, provavelmente negra. Nesta segunda, 31, o partido lançará carta de compromisso com a cultura, além de apoio de cerca de 300 artistas, muitos deles da periferia.
Para o coordenador de comunicação da pré-campanha, José Américo Dias, quem acha que Lula terá comportamento morno não conhece sua personalidade. “O Lula é muito partidário. A relação pessoal dele com o Boulos não é um impeditivo de sua atuação na campanha”, disse José Américo.