Por Iolanda Ventura, da Redação
MANAUS – A discussão nas escolas e igrejas sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes contribui para o aumento de denúncias. É o que explica Amanda Ferreira Gomes, fundadora e coordenadora geral do Iacas (Instituto de Assistência à Criança e ao Adolescente Santo Antônio) e integrante do Comitê de Enfrentamento à Violência Sexual no Amazonas.
Amanda afirma que o trabalho do Iacas é de prevenção e incidência política, com atuação em três escolas estaduais e duas municipais, três no Bairro Santo Antônio, zona oeste, e duas no Bairro Mauazinho, zona sul, em Manaus.
“A gente acredita muito que a prevenção ou falar disso com os meninos e meninas é a forma mais rápida de identificar as violências ocorridas”, diz.
Amanda conta que na pandemia de Covid-19 houve diminuição das denúncias, quando as crianças estavam fora das escolas, sem falar com ninguém.
“Ao retornar, neste ano em especial, às escolas, aí vem um crescimento mensal do número de denúncias. Quanto mais se fala disso, maior tem sido o número de denúncias mensal na delegacia [Depca]. Ontem mesmo [segunda-feira, 23 de maio], o relato da delegada [Joyce Coelho] era de que a delegacia estava lotada, depois da campanha do 18 de maio”, contou.
No dia 18 foi celebrado o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes. Um ato foi realizado na Depca (Delegacia Especializada Em Proteção à Criança e ao Adolescente). O evento contou com a participação de instituições que compõem a Rede de Proteção à Criança e Adolescente, incluindo o MPT (Ministério Público do Trabalho) e o TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas).
A coordenadora do Iacas considera que houve um avanço na política pública de combate à violência sexual contra crianças e adolescentes com as discussões sobre a proteção de crianças nas escolas, mas o desafio é quem falará sobre isso.
“Independente do profissional que está ali, existe um profissional com seus conceitos, com seus preconceitos, religiões, devoções, que impedem um pouco o aprofundamento do tema nesses espaços de convivência da criança. E existe também técnico que não quer discutir esse tipo de assunto porque não está preparado para isso”, explicou.
O debate envolve falar de assuntos interligados. “E lógico que não tem como falar de proteção se você não falar de direitos sexuais. E não tem como falar de sexo, de direitos sexuais se você não falar de sexualidade”, acrescentou.
Na opinião de Amanda Gomes, a discussão encontrou a desinformação como obstáculo.
“Houve agora, principalmente nos últimos quatro anos, uma discussão ampliada no Brasil inteiro de pessoas que entendiam que discutir sexualidade era favorecer o número de meninos e meninas fazendo sexo ou favorecer a homossexualidade. Foi um desvio muito grande. Algumas pessoas se apropriaram dessas ideias para não discutir direitos sexuais”, criticou Amanda.
A coordenadora do Iacas afirma que é possível contribuir ensinando às crianças e aos adolescentes a identificarem sinais de violência sexual, mas que é importante o envolvimento dos educadores no processo.
“É lógico que precisamos avançar na prevenção com as crianças, mas a gente também precisa avançar na sensibilização e na mobilização de quem está com elas. E falta muito ainda para avançarmos nisso”.
Ela chama atenção para o fato de que a violência sexual também está nas unidades de ensino.
“A gente não pode dizer que não está, porque infelizmente também está nas escolas. E de uma forma às vezes muito cruel, que são trocas de notas por um pegar, beijo, sexo oral”, destacou.
Um fato alentador, segundo Amanda, é que há uma mobilização maior das vítimas. “Hoje eu vejo um avanço das meninadas se indignando com isso e falando sobre isso. Isso só está acontecendo porque essa discussão tem sido ampliada nas redes e mídias sociais, e a meninada está discutindo isso nas escolas”, pontuou Amanda.
A coordenadora do Iacas considera que o preconceito atrapalha o debate. Ela afirma que acompanha adolescentes e pais mensalmente para ministração de oficinas sobre o assunto.
“E é quando os pais compreendem o que é isso. Porque você falar de sexualidade é complicado; as pessoas chegam com um preconceito muito grande. Se você faz a oficina com eles sem falar dessa maldita dessa palavra, você avança. Porque depois eles compreendem o que é”, relatou.
Amanda conta que durante as oficinas alguns adultos identificam que sofreram abuso sexual na infância.
“Quando a gente faz uma oficina hoje com um público que não discute isso, não existiu até hoje, em toda as oficinas que tivemos, seja ela com a família, com os profissionais, três ou quatro casos relatados de violência sexual na infância, dos próprios adultos”.
Instituições religiosas
Além das escolas, Amanda destaca a importância das instituições religiosas na promoção da discussão sobre o combate à violência sexual.
“Um grande sonho, uma utopia, era num dia 18 de maio falarmos sobre esse assunto em todo o lugar. Em todas as igrejas, escolas”, disse. “Porque se aquela mãe não consegue compreender isso na escola, consegue compreender isso com o pastor, com o padre, babalorixá, com quem fosse o líder religioso, ou compreender isso com a vizinha dela que está falando”, explicou.
Ela considera que o que falta aos líderes é condenar quem está no meio. “E isso é uma questão de mobilizar mesmo essas figuras, porque a violência está em todas as religiões, em todo o lugar. Seja o padre, bispo, pastor, pai de santo. Mas em algum momento parece que essas instituições são maculadas e elas são protegidas de alguma forma que ninguém ousa discutir isso ali dentro”, disse.
Há ainda o abuso contra as crianças e adolescentes LGBTQI+, que Amanda avalia que ainda precisa ser mais discutido.
“[…] infelizmente, os adolescentes quando eram expulsos das suas casas porque seus pais mais religiosos não aceitavam a sua sexualidade, acabavam correndo ou para a exploração sexual, para sobreviver, ou eles acabavam numa casa de matrizes africanas, mas ali também eles sofriam violência em alguns momentos”, relatou.
Amanda defende que todas as religiões tragam a discussão sobre sexualidade para as atividades diárias, como forma de combater a violência sexual. “É o conhecimento que faz a gente avançar”.
Dados
De acordo com dados da SSP-AM (Secretaria de Estado de Segurança Pública), em Manaus, de janeiro a fevereiro deste ano, foram registrados 61 casos de estupro de vulnerável contra crianças e adolescentes, seis casos de estupro, seis de favorecimento à prostituição e dez de importunação sexual. Os número relativos a março, abril e maio não estão disponíveis.
No interior do Estado do Amazonas é informado apenas o total dos crimes tendo crianças e adolescentes como vítimas, sem diferenciação do tipo de delito.
O ATUAL solicitou da Ouvidoria Geral da SSP o número de crianças e adolescentes atendidos na Depca vítimas de violência sexual de janeiro de 2022 até o momento; quantas eram meninas e quantos eram meninos; e o total de 2021 nesse mesmo período e do ano todo.
A secretaria informou que a demanda está em andamento e que pode responder em até 30 dias, prazo máximo estipulado pela Lei de Acesso à Informação.