
Por Marcelo Moreira, do ATUAL
MANAUS – A descriminalização do porte de maconha para consumo próprio, em análise no STF (Supremo Tribunal Federal), caso prevaleça, fragilizará o poder de traficantes, mas o Estado será desafiado a reforçar políticas públicas de saúde para tratar usuários da droga. O entendimento é de especialistas consultados pelo ATUAL. O julgamento do Recurso Extraordinário 635659, que trata sobre o tema, foi suspenso no dia 24 de agosto pelo ministro André Mendonça, que pediu vistas.
São cinco votos a favor e um contra a descriminalização do porte da droga. Outro ponto discutido é sobre a diferenciação entre usuário e traficante. O ministro Alexandre de Moraes sugeriu que sejam classificadas como usuárias as pessoas flagradas com 25g a 60g de maconha ou que tenham seis plantas fêmeas da droga, ou seja, apenas quando essa quantidade for ultrapassada, será considerado tráfico.
Para Dorli Marques, filósofo e professor de mestrado em Segurança Pública da UEA (Universidade do Estado do Amazonas), descriminalizar o porte de pequenas quantidades de maconha não significa legalizar o comércio da substância, mas desafiar o poder público a reforçar políticas de combate ao consumo da maconha e de outras drogas.
“O que se está regulamentando é mais um dos necessários critérios objetivos que visem diferenciar o traficante do usuário. Essa diferenciação é uma demanda antiga dos profissionais de segurança pública e também dos profissionais de saúde pública e condição indispensável para se elaborar políticas públicas de saúde e segurança de atenção integral aos usuários e de enfrentamento às organizações que traficam esta e outras substâncias sabidamente mais nocivas que a maconha”, disse.
“A questão vai além de uma eventual diminuição do encarceramento. Há um quase consenso entre os pesquisadores dessa questão de que ela perpassa outras esferas para além da segurança pública e da justiça criminal; ela tem relação, entre outros, com a saúde pública, com a educação, com a cidadania e direitos humanos”, acrescentou.
“O Brasil não foi preparado para isso”
Se a decisão final do julgamento no STF seguir a tendência da maioria dos ministros, quem for flagrado com quantidade de maconha inferior ao que for estabelecido será considerado usuário. Pode surgir o questionamento se a venda do entorpecente será legalizada para abastecer os “consumidores”. A resposta é não.
A advogada criminalista e especialista em Segurança Pública, Goreth Rubim, afirma que o Brasil não foi preparado, de forma educativa, para lidar com esse tema e que o Estado terá que garantir aos usuários tratamento médico e ambulatorial, além de fiscalizar a atuação dos agentes da Segurança Pública.
Goreth defende a diferenciação entre usuário e traficante e diz que os usuários sustentam a pirâmide do tráfico de drogas, mas que, se as medidas adotadas pelo governo forem eficientes, o tráfico pode ficar em desvantagem. “Seria uma forma não só de diminuir o encarceramento, mas, principalmente, evitar que pessoas que são da indústria do tráfico se favoreçam e ganhem mais dinheiro em cima desses sujeitos que são usuários”, disse Goreth Rubim.
“Nós temos grandes traficantes que estão lucrando muito mais com a situação dessas vendas [para usuários]. A partir do momento em que ocorre a descriminalização da maconha, por exemplo, para consumo pessoal, como já ocorre na Holanda, nós teremos uma quebra nesse mercado financeiro voltado ao tráfico de drogas e isso tiraria essa vantagem que as facções criminosas têm em relação aos usuários”, acrescentou.
Atualmente, a legislação não define critérios objetivos para diferenciar o consumo próprio de tráfico. Essa definição fica a cargo da polícia, do ministério público e do judiciário.
Segundo os ministros do STF que já votaram no processo, o porte de pequena quantidade de maconha passou, em muitos casos, a ser qualificado como tráfico, causando aumento da quantidade de presos por esse crime.
Além disso, pessoas presas com a mesma quantidade da droga e em circunstâncias semelhantes são consideradas usuárias ou traficantes dependendo da etnia, do nível de instrução, da renda, da idade ou de onde ocorre a abordagem.
Para Rosa Weber, presidente do STF, a criminalização do porte de maconha atinge a autonomia privada e potencializa o estigma sobre o usuário. “Essa incongruência normativa, alinhada à ausência de objetividade para diferenciar usuário de traficante, fomenta a condenação de usuários como se traficantes fossem”, disse Weber.
Assim que o julgamento for concluído, as decisões do STF sobre o uso da maconha alterarão o Artigo 28 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, que estabelece advertência, prestação de serviços à comunidade e medida educativa para quem adquire, guarda ou transporta drogas sem autorização, mesmo que para uso pessoal.
As mesmas medidas valem para quem cultiva e colhe plantas destinadas à preparação de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
Até que o julgamento sobre o recurso seja finalizado, ainda devem votar os ministros André Mendonça, Nunes Marques, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Luiz Fux.