Não são novidades os ataques à operação lava-jato. Porém, nunca foi tão clara por parte de um governo a decisão política de tentar desestruturar e acabar com o combate à corrupção, à fraude e à impunidade de crimes do colarinho branco no país. Algo aterrador!
Por mais que a sociedade brasileira tenha se mobilizado a favor do combate à corrupção, em prol do enfrentamento à impunidade dos poderosos e contra a fraude eleitoral, seja por via da lei da ficha limpa seja por meio da operação Lava Jato, o atual governo insiste exatamente no oposto, investindo contra a Lava Jato, desmontado instituições de controle e tentando controlar a atuação de órgãos que deveriam ter assegurada sua autonomia. De maneira explícita faz o contrário do que prometeu em campanha eleitoral, tentando sujeitar o país à criminosa tradição de ser conivente com os crimes do colarinho branco, com a corrupção, com a impunidade dos que estão empoderados no Estado, em partidos políticos e em complexos econômicos.
Se o país vinha ganhando alguma benéfica reputação com a Lava Jato, no atual cenário, ela vem sendo desmontada dia a dia. Expressões parciais como “punitivismo”, “lavajatismo”, “justicianismo”, dentre outras, traduzem de modo nítido essa tendência atual. Como se o Brasil tivesse algum histórico robusto de punição de criminosos que ocupam ou ocuparam poderes estatais. Pelo contrário, a fama que ainda prevalece do país não a de que combate a corrupção, a fraude eleitoral, a cumplicidade com os crimes de colarinho branco. Mas a de uma republiqueta de corruptos e saqueadores que atuam a partir do próprio Estado.
Diversos analistas já previam esse movimento por parte do atual governo e seus aliados. Em menos de dois anos no comando do Executivo federal, já tentou impedir ou interferir em investigações (como no caso das que apuram os ilícitos da prole do atual titular da presidência e seus aliados), desmontar órgãos de controle (Coaf), reduzir a autonomia de instituições (PF, Receita, MPF), cooptá-las (PF e MPF), dentre outras coisas. Contudo, não se imaginava que essa empreitada em favor da impunidade dos corruptos, de fraudadores e de autores de crimes do colarinho branco fosse protagonizada publicamente, a partir de 2020, pelo eventual titular da Procuradoria Geral da República (PGR).
Os ataques à operação Lava Jato partem agora, além das tradicionais vias politiqueiras do executivo e do legislativo federal, do chefe da PGR. Uma instituição que deveria ter à sua frente pessoas comprometidas com as causas republicanas e democráticas da sociedade brasileira, de acordo com o espírito da Constituição Federal de 1988. No entanto, num contexto sem melhores perspectivas, a ávida expectativa de poder (no caso, talvez uma vaga no STF) pode corroer instituições e degenerar agentes públicos.
De maneira que na recente história institucional do país, além das medidas do atual governo contra a democracia, registra-se mais essa bizarrice: a chefia do ministério público federal assumindo o nefasto papel de tentar desprestigiar e desmantelar a maior operação de combate à corrupção e à impunidade de poderosos no país. Realmente um feito bastante alinhado com as características obscurantistas e inescrupulosas do atual governo.
Por mais que a Lava Jato, a princípio, seja decorrência do embate entre facções politico-partidárias e grupos econômicos, por mais que erros, excessos e abusos tenham sido cometidos, isso não deve servir de desculpa para acabar com ela, mas sim para saneá-la, corrigir seus métodos e práticas, aprimorá-la e fazer com que continue a cumprir seu relevantíssimo papel histórico e institucional de combater a corrupção e a impunidade de criminosos do colarinho branco. A operação Lava Jata, e não Moro e outros que a usaram, tornou-se um valioso patrimônio do esforço nacional pela justiça contra delinquentes empoderados no Estado, em partidos, em empreiteiras, em grupos econômicos.
Deve-se recordar que a operação Lava Jato é constituída por um conjunto de investigações em andamento, efetuadas pela Polícia Federal, de amplas repercussões políticas e econômicas, que envolve agentes da política e do complexo econômico-empresarial do país, com desdobramentos internos e internacionais.
A Lava Jato cumpriu mais de mil mandados de busca e apreensão, de prisão temporária, de prisão preventiva e de condução coercitiva, visando apurar um esquema de lavagem de dinheiro que movimentou bilhões de reais em propina e outros crimes de colarinho branco.
A operação, que teve início em 17 de março de 2014, contou com 71 fases operacionais autorizadas, à época, por magistrados federais, dentre os quais o ex-juiz Sérgio Moro. Ao longo dessas fases operacionais mais de cem pessoas, inclusive de ampla influência política (lideranças partidárias e institucionais) e econômica (empresários e líderes de complexos econômicos), foram presas e condenadas.
A Lava Jato investigou e, ainda segue apurando, crimes de corrupção ativa e passiva, gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, organização criminosa, obstrução da justiça, operação fraudulenta de câmbio e recebimento de vantagem indevida. Segundo as investigações e delações premiadas, apuradas pela força-tarefa da Operação Lava Jato, estão envolvidos membros do staff administrativo de diversas empresas, inclusive estatais como a Petrobras, políticos dos grandes partidos do Brasil, incluindo ex-presidente da República, ex-presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, governadores e ex-governadores de estados, além de empresários de grandes empresas privadas e empreiteiras brasileiras.
O nome da operação deve-se ao uso de um posto de combustíveis para movimentar valores de origem ilícita, investigada na primeira fase da operação, na qual o doleiro Alberto Youssef foi preso. Ao final de dezembro de 2016, a Operação Lava Jato obteve um acordo de leniência com a empreiteira Odebrecht, que possibilitou o maior ressarcimento ao erário público da história mundial. O acordo previu o depoimento de 78 executivos da empreiteira, gerando 83 inquéritos no Supremo Tribunal Federa. Em abril de 2017, o ministro Edson Fachin (STF) retirou o sigilo desse acordo e novas investigações surgiram sobre crimes de corrupção, inclusive no exterior (Panamá, Equador, El Salvador e outros). Ainda em 2017, membros da perícia da Polícia Federal chegaram à conclusão de que as operações financeiras investigadas na operação Lava Jato somaram cerca de oito trilhões de reais.
A Lava Jata é considerada a maior investigação de corrupção da história do Brasil. Embora tenham sido cometidos abusos e erros, como revelou o site The Intecept, estes devem ser reparados e corrigidos para que a operação prossiga em sua relevante missão institucional. E o atual staff do governo federal, parlamentares e o próprio chefe do MPF sejam demovidos da atitude de combater a operação Lava Jato. Muito pelo contrário, devem passar a reconhecer e apoiar o monumental trabalho realizado contra a corrupção e a impunidade de criminosos do colarinho branco no Brasil. É o mais proveitoso a ser feito em favor sociedade brasileira com relação à matéria do combate à corrupção e à impunidade de poderosos no país.
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