Desdobramento da cultura logospirata da violência organizada é a estruturação da delinquência em terríveis e “sofisticadas” organizações criminosas. Essas organizações obscurantistas são diversas e, muito mais atualmente, estão por toda parte, inclusive interagindo com os negócios privados, supostamente lícitos, e com entes estatais e públicos.
Conjecturava Octávio Ianni “sobre a hipótese de que há algo na fábrica da sociedade moderna, do que se poderia denominar de modernidade, que leva consigo formas, técnicas e práticas cada vez mais brutais de violência, desde as mais prosaicas às mais sofisticadas.” As organizações criminosas e as diversas modalidades de máfias materializaram, nos dias atuais mais do que noutras épocas, a suspeita levantada pelo singular cientista social brasileiro.
A persistência de certas relações sociais marcadas pela violência, desigualdades, injustiças e exclusões fornecem a base socioeconômica e cultural para formação de grupos organizados em torno do negócio do crime, a economia do ilícito. Não surpreende que a perenização da violência organizada e da insuficiente resposta do modelo repressivo “poder-polícia-presídio” pudesse resultar no “estado da arte da intelectualização” da delinquência: as organizações criminosas ou o crime organizado.
Por intermédio dessas organizações, que fazem da violência ilegítima um grande negócio, a economia do crime globalizou-se de modo célere e efetivo, operando um volume considerável de recursos, estimado formalmente em centenas de bilhões de dólares por ano.
Movimentando um sistema de conexões transcontinentais, os agentes do crime organizado e seus parceiros cooptados, seja no setor privado seja no público, empreendem significativas transações de tráfico de influência, de drogas, tráfico de armas, tráfico de pessoas, extorsões, jogos de azar, fraudes variadas (comerciais, fiscais, de cartões, eletrônicas etc), assalto a bancos, sequestros, exploração sexual (escravismo sexual, pedofilia, prostituição), assassinatos por encomenda, dentre outros negócios hediondos.
De acordo com o site da revista “Fortune”, ataques de crackers que saqueiam dados de cartões de crédito e outros ciberdelitos são apenas uma gota no profundo oceano de arrecadações ilícitas das organizações criminosas. A revista elencou as gangues de criminosos ou máfias com as maiores “receitas” fruto da atividade delinqüente.
- Yamaguchi Gumi: US$ 80 bilhões
Considerada a maior organização criminosa do mundo, chamada também “Yakuza”, consegue mais dinheiro com tráfico de drogas do que com qualquer outra fonte, segundo Hiromitsu Suganuma, ex-chefe da polícia nacional japonesa. Todavia, a receita desse grupo mafioso também é atribuída a jogos de azar e à extorsão. A organização tem centenas de anos e, segundo Dennis McCarthy, autor de “An Economic History of Organized Crime”, possui uma das hierarquias mais elaboradas entre grupos criminosos.
- Solntsevskaya Bratva: US$ 8,5 bilhões
Quando o assunto é organização, os mafiosos russos procedem de forma oposta a organizações como a Yakuza. A estrutura, de acordo com o professor de criminologia da Universidade de Oxford, Frederico Varesi, é altamente descentralizada. A organização é composta por dez “brigadas” quase autônomas. Contudo, todo o dinheiro é supervisionado por um conselho de 12 pessoas que “se reúne regularmente em diferentes partes do mundo, muitas vezes disfarçando suas reuniões como ocasiões festivas”, diz Varesi. Estima-se que a Solntsevskaya Bratva tenha nove mil membros que ganham dinheiro com de tráfico de drogas e de pessoas. Além disso, opera também realizando roubos, assassinatos por encomenda, exploração sexual, contrabando, inclusive de materiais nucleares.
- Camorra: US$ 4,9 bilhões
Um estudo da Università Cattolica e do Joint Research Centre sobre o crime transnacional estimou, em 2013, que atividades mafiosas geram receita de US$ 33 bilhões de dólares na Itália, divididos entre quatro grandes organizações. Segundo a pesquisa, Camorra é o mais bem sucedido desses grupos, com cerca de US$ 4,9 bilhões por ano provenientes de “exploração sexual, tráfico de armas e drogas, falsificação e jogos de azar”.
- ‘Ndrangheta: US$ 4,5 bilhões
Sediada no sul da Itália, o segundo maior grupo mafioso do país ficou conhecido por seus laços internacionais com traficantes de cocaína da América do Sul. Essa organização criminosa controla a maior parte do mercado de drogas que alimenta a Europa e vem se expandindo nos EUA.
- Sinaloa: US$ 3 bilhões
Identificada com o maior cartel de drogas do México, a organização criminosa chamada Sinaloa é uma das várias quadrilhas que tem levado pânico à população. Ela atua na intermediação entre os produtores sul-americanos e o mercado norte-americano. Em que pese o líder desse grupo mafioso tenha sido preso em fevereiro/2014, o cartel tem evitado as batalhas caras (e sangrentas) que sucedem a saída de um comandante.
No Brasil, embora seja de difícil rastreamento, em razão do processo de branqueamento (lavagem de dinheiro) e intermediação fraudulenta (“laranjas e testas de ferro”), sabe-se da expressiva movimentação de recursos, obtidos via criminosa, operada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), organização criada na década de 90 a partir de presídios de São Paulo, e presente em quase todos os estados brasileiros.
Há versões regionais dessas organizações do crime, tais como Comando Vermelho (CV – RJ e mais sete estados), Família do Norte (FDN), Guardiões do Estado (GDE-CE), Bonde dos 30 – PA, Bonde dos 40 – MA, Bonde dos Malucos – BA, Primeiro Comando do Interior – RS, Okaida – PE, dentre outras. A atuação dessas organizações alcança todas as esferas do Estado e da sociedade, inclusive dentro dos estabelecimentos penais, aonde deveriam ter sido neutralizadas. Contudo, acabaram por dominar o interior dos presídios, tornando-os funcionais à economia do crime e suas facções.
O Brasil, conhecido pelos altos indicadores de criminalidade, a exemplo da elevada taxa de homicídios – a maior do mundo, conta nas miseráveis favelas e periferias urbanas com um vastíssimo número indivíduos recrutáveis pelas organizações criminosas, especialmente entre os mais jovens. Isso não significa que os demais segmentos sociais estejam isentos de participar da economia do crime. Pelo contrário, é frequente o envolvimento de indivíduos e de grupos de classe alta e de classe média em atividades ligadas a organizações criminosas, inclusive investidos em cargos públicos e mandatos.
É preocupante o potencial bélico das organizações da economia do crime. São detentoras de verdadeiros arsenais bélicos com alto poder de fogo. Não raro, assumem um caráter paramilitar, impondo dominação armada ostensiva e toque de recolher em territórios que passam a controlar, afrontando diretamente a soberania estatal. Nesses casos, há de se discutir se a questão permanece sendo predominantemente de segurança pública ou se configura mais numa ofensa ao Estado e à soberania nacional.
A lei federal nº 12.850/2013 definiu o que se entende por organização criminosa, dispôs acerca da investigação criminal das mesmas, da colaboração premiada, da ação controlada, da infiltração de agentes, do acesso a registros e dados, dentre outras medidas. Estabelece o § 1º do art. 1º da citada lei que:
“Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.”
Autoriza a mesma legislação, quando trata da investigação das organizações criminosas, no art. 3º, os seguintes meios de obtenção de prova:
“I – colaboração premiada;
II – captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos;
III – ação controlada;
IV – acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais;
V – interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica;
VI – afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica;
VII – infiltração, por policiais, em atividade de investigação, na forma do art. 11;
VIII – cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal.”
A lei esclarece mais detalhadamente acerca de cada um desses meios de obtenção de prova e trata de outras questões, sobretudo esclarecendo procedimentos e certas condições, inclusive referente ao sigilo das investigações.
É de grade relevância as disposições legais que elucidem e normatizem o procedimento de investigação do crime organizado, mas seria um desarrazoado equívoco, ingenuidade ou despreparo atribuir apenas a uma lei de natureza penal e ao sistema de justiça criminal a responsabilidade por resolver as questões essenciais que concorrem para a formação de organizações criminosas, agentes que atuam a favor da economia do crime e desencadeiam processos que culminam em complexas redes de delinquência do crime organizado. É imprescindível que se adotem providências e intervenções de abordagem mais abrangente, que alcancem e promovam respostas macros e mais profundas, a fim de efetivamente combater a economia do ilícito e obter resultados eficazes.
Enfim, as organizações criminosas e suas redes de economia do crime constituem um grave problema de insegurança pública, manifestando-se numa escala regional, nacional e global, as quais requerem procedimentos e medidas adequadas à dimensão dos problemas de violência e criminalidade impostos pela economia do ilícito e suas corporações.
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