São ainda imprevisíveis a dimensão dos efeitos nocivos e dos danos que o Covid-19 (coronavírus) pode gerar à segurança pública, assim como à educação, à saúde, à economia e à política, sendo fundamental tentar prevenir e minimizar os riscos desta pandemia.
Quais os possíveis impactos da pandemia de Covid-19 na segurança pública? Como lidar com eles? Como controlar as incertezas, instabilidades e o pânico provocado pelo coronavírus? Como evitar maiores danos à saúde pública, à economia, aos mercados, aos direitos e liberdades individuais e coletivas? Quais as mudanças na ordem econômica, política e social depois da pandemia do coronavírus? São problemas que se desdobram e afetam, sem dúvida, a segurança pública e a qualidade de vida.
As pandemias são frequentes na história humana e produzem significativos impactos sobre a população e as sociedades, desde tempos remotos. Há registros dos enormes danos provocados em Atenas, na antiguidade, pela chamada grande Praga de Atenas. Alguns historiadores atribuem a ela grande parte da responsabilidade pela derrota de Atenas a Esparta, na guerra do Poleponeso (431-404 a. C). E o que dizer dos efeitos devastadores da Peste Negra na Europa medieval (1343-1353)? Ou da Varíola na época colonial (séc. XVI a XIX)? E ainda das epidemias de Tuberculose, de Malária, de Lepra, de Tifo, de Cólera, da Gripe espanhola?
Em tempos mais recentes, importa considerar o surto de Ébola na África ocidental e as cíclicas epidemias do HIV (Aids). No Brasil atual, há persistente combate para evitar epidemias de dengue, ao sarampo, à febre amarela, gripes, pneumonia etc.
Tais “males”, epidemias, síndromes, pandemias, têm certa regularidade na história e seus efeitos só não são mais tão fatalmente devastadores por causa do desenvolvimento da pesquisa científica, da produção de vacinas e outros remédios para combater tantas moléstias.
Mas ainda não há vacina para combater o Covid-19. Esse é o grande problema, muito embora certos grupos políticos tenham tentado recentemente desacreditar as vacinas e certas medidas ou providências medicinais. No entanto, o discernimento, a lucidez e o bom senso conseguiram até aqui prevalecer, apesar da irracionalidade das disputas atuais pelo poder, que contaminam o ambiente político, pondo em sério risco a democracia e conduzem gradualmente vários países ao autoritarismo, principalmente levando em conta o perfil de certos líderes atuais (Trump, Putin, Kim Jong-um, Maduro, Bolsonaro…). Essa possibilidade macropolítica constitui um pesaroso risco de retrocesso à cidadania e à segurança pública.
No Brasil, o número de infectados pelo Covid-19 tem aumentado. Certas medidas preventivas poderão ter impactos na segurança pública, sobretudo diante da hipótese de restrição de direitos e diminuição de liberdades individuais. Dependendo do rumo que as coisas tomarem, considerando a acirrada polarização da viciosa luta “política” (competição pelo poder entre facções partidárias e grupos de influência) e da guerra “ideológica” (contenda pela hegemonia de ideias e interesses), o coronavírus poderá até contribuir para o acentuamento de distúrbios civis.
Ao lado disso, não se pode desconsiderar a hipótese, uma grande epidemia poderá impactar na expansão da criminalidade, inclusive com o aumento de conflitos interpessoais, violência contra grupos vulneráveis (crianças, mulheres, idosos) e elevação do número de homicídios.
O coronavírus abalou também os mercados, derrubou as bolsas em toda parte, afetando a economia global. O desaquecimento e a recessão econômica, em escala global, tende a gerar desemprego, perda de vagas de trabalho, podendo impactar os crimes contra o patrimônio (furto, roubo, apropriação indébita, fraudes etc), dentre outros.
Por conta disso, é preciso que os encarregados pela gestão da economia possam ser minimamente responsáveis, ter senso de realidade e evitem fazer do Covid-19 mais uma desculpa para simplesmente impor suas pautas sem levar em conta a condição do país. Só mesmo gente de gabinete, sem noção da realidade, que só se importa com a economia abstrata, pode afirmar que em geral as empregadas domésticas vão à Disney e outras declarações do tipo. É preciso sair do gabinete, acompanhar e conhecer a economia real, a economia das ruas, das casas, das feiras, dos supermercados, das tabernas, dos campos, dos lares famintos, desempregados e maltrapilhos. É preciso promover uma economia que inclua e promova o país e não apenas o mercado, os bancos e os lobistas. Uma economia que mantém excluídos os vulneráveis sociais é uma economia da morte – uma ferramenta de extermínio, campo de concentração difuso na sociedade.
É imprescindível alguma honestidade intelectual: dizer que a aprovação das demais reformas (tributária e administrativa), por si só, irá combater os efeitos do coronavírus é altamente enganador e mentiroso. Nem a China, nem a Europa, nem os EUA deixarão de sofrer os impactos e os prejuízos decorrentes do Covid-19 quanto mais o Brasil. Mesmo com as reformas, o país irá sofrer economicamente com a pandemia. Na realidade, isso independe das reformas, como ficou demonstrado com a expectativa de retração da atividade econômica e da acentuada queda das bolsas das economias mais poderosas do planeta.
Além do mais, o discurso das reformas está se esvaziando, pois a chamada ‘reforma-rainha’, a principal das reformas, a da previdência, nada mudou com respeito à disposição do investidor externo em relação ao mercado brasileiro. Ele continua evitando o Brasil e não será simplesmente a reforma tributária e a administrativa que o fará investir cá no país, pois muito mais graves são as mensagens de incerteza e de insegurança repassadas a ele com os ataques às instituições democráticas e com hediondo “jogo político” que se pratica aqui dentro. Afinal, que mensagem aos potenciais investidores externos passa um governante que convoca atos contra as instituições democráticas, os demais poderes e deixa evidente que tenta golpear a democracia em favor de seu próprio poder monocrático, de sua família e grupos de apoio?
Nesse sentido, há muitos aspectos a considerar quando se trata dos impactos que o Covid-19 pode gerar à saúde pública, à economia, à política e, em especial, à segurança pública. Cumpre à sociedade civil, à opinião pública, aos influenciadores de redes sociais, aos cidadãos de modo geral, com apoio das entidades nacionais e internacionais de defesa dos direitos humanos e da democracia, velar com grande atenção para: 1) evitar que o coronavírus venha a ser utilizado para diminuir os direitos e as liberdades individuais e coletivas; 2) proteger a debilitada democracia brasileira das tentativas de golpes, ardilosamente em curso, inclusive com a expressa admissão da possibilidade de novo A-5; 3) impedir que se legitimem narrativas para justificar mais um período de trevas, de obscurantismo político, cultural e científico, de ataque e fechamento às instituições democráticas, e de fomento ao autoritarismo e a grupos milicianos no país.
Enfim, é preciso imunizar urgentemente a sociedade, as instituições e a população não somente contra o Covid-19 (coronavírus), mas também contra o perigoso vírus da egocracia, do autoritarismo, do obscurantismo, da cultura do ódio, da ideologia do inimigo inerente aos regimes militares e milicianos, do patrimônio sem justificativa lícita (forma frequente de corrupção), da injustiça e outros nefastos males que tornam insegura a vida social e coletiva.
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