Superar a violência ilegítima e a criminalidade constitui, sem dúvida, um dos grandes desafios da segurança pública. Como promover a mudança de perspectiva desse cenário?
O ponto de partida é, sem dúvida, visualizar com certa clareza o que consiste em fatores ou causas e o que são as consequências ou efeitos da violência e da criminalidade, sob pena das respostas apresentadas não serem adequadas nem responderem às questões adequadamente. Nesse caso, o problema tende a persistir de modo insolúvel, como tem ocorrido, pois essa incapacidade ou descompromisso para alcançar os fatores (causalidade) produz resultados um tanto inócuos, gerando paradoxos entre meios e fins. E querer alcançar certos fins sem os meios lícitos adequados é inviável, expondo certa imaturidade e incompetência do gestor.
Nesse sentido, ao lado da ação policial e do sistema de justiça criminal, incluindo a punição carcerária, são imprescindíveis certas medidas e atuações tendo em vista tornar desinteressante e economicamente inviável a prática da atividade ilícita, seja por via do controle fiscal, do controle social e da atuação policial seja por via da comunicação, da publicidade, da propaganda e do desmantelamento da logística do tráfico ilícito, ou seja, desestimular e desestruturar a cadeia produtiva e a infraestrutura das atividades ilícitas. São medidas crucias como ponto de partida para inviabilizar e desmontar a economia do crime e cultura da violência.
Um modelo bastante eficaz foram as bem sucedidas campanhas publicitárias e institucionais contra o cigarro. Ela voltou-se prioritariamente para influenciar o mercado consumidor perante uma atividade comercial lícita – consumo de cigarro, o que era ainda mais difícil de combater. Embora tenha levado anos, os citados meios foram eficientes ao mostrar a associação que há entre o consumo de cigarros e várias graves doenças, a baixa-autoestima e o prejuízo à imagem pessoal. Os resultados das ações de governo e campanhas contra o tabagismo e o cigarro foram bastante favoráveis quanto à redução do respectivo vício, ao enfraquecimento da economia do tabagismo sem ter sido necessário mover qualquer guerra armada contra o cigarro ou onerosos meios de repressão bélica.
Apesar da economia das drogas ilícitas ter se convertido, em muitos locais, numa das principais atividades da economia popular, os onerosos modelos de repressão policial-judicial-carcerária acabam por contribuir para reproduzir a insegurança, a violência e o crime, retroalimentando o ciclo da economia do ilícito. A ênfase no modelo repressivo acaba servindo ainda para tentar justificar volumosos investimentos e gastos públicos (mais de 5% do PIB anual, cerca de R$ 365 bilhões, fonte: CNI) que criam a ilusão de que a solução reside apenas no aumento arsenais bélicos, de ampliação de forças polícias, de viaturas, do atual sistema de justiça criminal, de maior número de cárceres e da retomada da perigosa mitologia dos “salvadores da pátria”, recorrentemente empregada para endeusar tiranos, ditadores, milicianos e seus cúmplices. Uma irracionalidade sem tamanho que marca o ambiente social e institucional frente às mazelas de violência e criminalidade insolúveis pelo funcionamento do atual modelo vigente.
O recente e grave episódio de quase guerra envolvendo um senador licenciado, Cid Gomes, e policiais militares em greve, no Ceará, é uma pequena mostra dessa irracionalidade institucional inerente ao atual ambiente social, político e pré-eleitoral brasileiro. Irracionalidade muito característica do extremismo de certos grupos, tais como: as facções criminosas, que operam disputas selvagens dentro e fora dos presídios; grupos intolerantes: grupos racistas, grupos xenófobos, grupos misóginos, grupos homofóbicos, grupos antissemitas, grupos islamofóbicos, grupos anticristãos; organizações criminosas como as milícias disseminadas atualmente por todo o país; grupos armamentistas e belicistas, dentre outros que contribuem pra difusão da cultura do ódio e dos “valores” de extrema direita.
Por conta disso, simultaneamente à atuação do modelo repressivo “polícia-judiciário-cárcere”, importa urgentemente considerar a implantação de projetos de inclusão social, pedagógica, amparo assistencial e o desenvolvimento de modelos de socialização cívica pela ética do diálogo e do discernimento crítico (cultura de dignidade da pessoa humana, de cidadania e de valores humanos), bem como a perseguir os propósitos, as alternativas e as possibilidades de soluções almejadas pela justiça restaurativa.
Sob todos os aspectos, as políticas públicas, inclusive na área de segurança pública, e os modelos de disputa de poder e espaços públicos não se devem conduzir pela vilania, pelo ódio, pela guerra, pela violação à normalidade democrática e às regras da coexistência social. Quando os modelos políticos e eleitorais fomentam muito mais a vil cobiça, o ódio e a guerra social do que a dignidade, a justiça e liberdade, então, eles devem ser urgentemente revisto na direção do fortalecimento da democracia e de suas instituições.
Embora concorra para alcançar propósitos no âmbito das crises e de enfrentamentos armados relativos a eventos de insegurança pública, o emprego monolítico do modelo repressivo nunca resultou efetivamente em promoção de segurança pública e da cidadania, reduzindo-se a efeitos paliativos. É abordagem insuficiente e nada satisfatória para lidar com questões mais complexas de violência e criminalidade. A sociedade brasileira padece bastante com a reiterada visão opressiva de segurança pública, a qual tem se revelada bastante limitada, reducionista e equivocada, restringindo os graves problemas de insegurança pública à polícia, às forças de repressão e de defesa, sujeitados à lógica da jogatina eleitoral a cada dois ou quatro anos no país.
A manipulação política e uso eleitoreiro das trágicas cifras da violência e de criminalidade do cotidiano revelam a perversa dinâmica da logospirataria política, que lucra com toda a miséria, a corrupção e o terror social sem de fato oferecer soluções aos efetivos problemas da população. O predomínio quase monolítico da abordagem repressiva e encarceradora tem se evidenciado reiteradamente um grande equívoco histórico e o “preço” pago pela sociedade é insustentavelmente alto, resultando no elevado número de assassinatos intencionais e diversas espécies de violência, que culminam em altos índices de criminalidade. Revisar o modelo político, eleitoral, institucional e seus elementos na perspectiva democrática é essencial para construir um ambiente social minimamente sustentável, livre e seguro.
Os artigos publicados neste espaço são de responsabilidade do autor e nem sempre refletem a linha editorial do AMAZONAS ATUAL.