A maneira como se executam as penas no Brasil, sobretudo as de privação de liberdade, constitui um dos graves problemas de violação a direitos que perduram cronicamente, em especial quanto aos presos depositados permanentemente em delegacias.
As questões carcerárias e de insegurança pública persistem insanáveis, expondo a ineficácia dos poderes públicos ao mesmo tempo em que impactam violentamente a ordem pública e a sociedade. Um dos pontos nevrálgicos continua sendo a permanência dos chamados “presos de justiça” em delegacias de polícia.
A condição de presos condenados e provisórios à disposição do poder judiciário, depositados indefinidamente em delegacias de polícia pelo país, é de tal modo degradante, insalubre e miserável que, além de afrontar a legislação penal e as atribuições funcionais dos policiais que se convertem em carcereiros, constitui um dos mais graves flagrantes de violação à dignidade da pessoa humana.
Quando nos depararmos com a realidade dos cárceres brasileiros frente aos objetivos e às exigências da Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal – LEP), contatam-se abismos entre as disposições legais e as efetivas condições de cumprimento da pena nas unidades prisionais, em especial as precárias condições dos estabelecimentos penais que compõem o sistema carcerário. A realidade da execução penal torna-se ainda mais horrenda quando se consideram as condições dos presos mantidos indefinidamente em delegacias de polícia. Os riscos e privações são potencializados, além de descaracterizadas as atribuições dos policiais civis.
Se em presídios convencionais a precariedade existe, o que dizer das condições físicas, logísticas, de higiene, de alimentação, de assistência e de segurança dos que estão permanentemente depositados em unidades de polícia judiciária? Situação, de fato, incomparável, pois a condição nas delegacias é de extrema insalubridade, insegurança, amplificadora de riscos, de ameaças e de violências, além de outras precariedades logísticas. Não há a menor possibilidade de desenvolver qualquer programa com vistas à ressocialização dos internos. As assistências aos internos, previstas na LEP, quando ocorrem, são comumente aviltadas e expõem os policiais a inúmeros riscos de eventos de violência e de insegurança.
Os policiais que trabalham em delegacias com depósito permanente de presos, sejam estes os que estão à disposição do judiciário ou sejam condenados, estão diuturnamente sob ameaça de violência extrema. Eles correm maior risco de sofrer violência ou morte do que um agente penitenciário ou agente de carceragem, uma vez que o policial que trabalha em delegacia com presos depositados permanentemente sequer está adequadamente distanciado dos mesmos. Num presídio convencional há celas, corredores e pavilhões com trancas e obstáculos, que oferecem algum resguardo aos agentes do cárcere, o que não existe numa delegacia de polícia.
Outro impacto extremante danoso à população, a qual demanda ações de polícia para combater a insegurança pública, é que, precarizando as funções de Polícia Judiciária, os policiais civis ficam impedidos de se deslocarem da delegacia para apurar fatos, circunstâncias e casos que demandem a devida investigação criminal, porque tem que atuar como carcereiros e tomar conta dos presos. Os policiais acabam sendo prejudicados no exercício de seu dever funcional, impossibilitados de exercer suas atribuições legais. Um grave desvio de finalidade, com descaracterização da atividade de Polícia Judiciária, que custa caro à sociedade e ao Estado, bem como à saúde e à segurança dos próprios policiais civis.
Por conta desses motivos, a retirada de presos das Delegacias de Polícia é providência essencial, urgente e imprescindível à segurança da população, dos policiais e à efetividade de instituições públicas fundamentais, como a Polícia Civil, a Defensoria, o Ministério Público e o Judiciário.
Na maioria dos municípios do interior do Amazonas, prevalece o dramático problema do depósito permanente de presos em delegacias de polícia. E não há previsão alguma para solucionar minimamente a problemática. Raríssimo encontrar alguma vontade política dos administradores municipais em tratar do assunto de modo sério, objetivando a resolver a caótica situação dos encarcerados indefinidamente na delegacia do município.
Na cidade de Manaus, o problema do permanente depósito de presos em delegacias foi resolvido em meados da década passada, a partir do ajuste firmado entre diversas instituições (Associação dos Delegados de Polícia, Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Polícia Civil e Administração Penitenciária estadual) no sentido de acelerar a retirada de presos depositados em delegacias da capital. Para tanto, elaborou-se um calendário com vistas à conclusão de obras de estabelecimentos prisionais, a fim de receber os presos antes permanentemente depositados em delegacias de polícia. A partir disso, proibiu-se o uso das delegacias, em Manaus, para custodiar os presos além do tempo necessário para conclusão dos procedimentos policiais. Nos municípios do interior do Estado, contudo, a problemática persiste.
Por fim, com certa frequência, o problema toma contornos de tragédia anunciada, produzindo tensões na sociedade e entre autoridades estaduais de diferentes instituições. Tais situações acabam por ressaltar a urgente necessidade de se construir soluções, mesmo em meio à crise econômica, que viabilizem o mais brevemente possível a retirada de presos depositados indefinidamente em delegacias de polícia. Embora tardia, é providência urgente e essencial, considerando os fins da execução penal, a segurança pública e a dignidade da pessoa humana.
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