Embora existam alguns ensaios, o tema da assistência aos herdeiros e dependentes carentes de pessoas vitimadas por crime doloso, previsto no art. 245/CF, precisa ser priorizado para despertar de um profundo esquecimento ao qual tem sido submetido.
É necessário levar a sério o assunto e promover a conscientização das pessoas e das instituições quanto a matéria, pois esse desafio à segurança pública está diretamente ligada à efetividade da justiça, da cidadania e à dignidade da pessoa humana.
O Estado não pode continuar postergando nem adiando medidas de amparo tão essenciais à dignidade daqueles que sofrem os efeitos da vitimização causada por delitos praticados intencionalmente, que violam a vida, a integridade, a liberdade, a honra, a propriedade, a dignidade sexual, dentre outros bens jurídicos fundamentais.
Por esse motivo, entendeu o legislador constituinte de 1988 que deveria incluir na Constituição Federal o disposto que aborda o assunto de maneira tão clara:
Art. 245. A lei disporá sobre as hipóteses e condições em que o Poder Público dará assistência aos herdeiros e dependentes carentes de pessoas vitimadas por crime doloso, sem prejuízo da responsabilidade civil do autor do ilícito.
As vítimas tem sido muitas e estão por toda parte: família, trabalho, escola, igreja, comunidade, presídios, empresas, instituições públicas, lugares privados, dentre outros espaços. Se a população carcerária, no Brasil, ultrapassa 810 mil presos, qual seria o número de vítimas produzidas pela prática de crimes, incluindo os danos a seus dependentes vulneráveis socialmente? E a quantidade de vítimas daqueles que estão foragidos, dos delitos dolosos sem autoria identificada e dos mandados de prisão que ainda estão por cumprir? Estima-se que sejam, no mínimo, três vezes mais.
Apesar da dimensão do problema, é necessário socorrer a família e os dependentes vulneráveis daqueles que são vitimados por infrações criminais dolosas. Devem-se priorizar as providências assistências de pronto, sejam às vítimas sejam aos seus dependentes. Ao lado, disso, é essencial evitar que sejam investidos recursos públicos em indivíduos e grupos que se mantém em atividades ligadas à economia do crime e sustentam vínculos com organizações ou facções criminosas. É legítima e necessária a concessão do auxílio-reclusão, mas com critério para não serem convertidos em benefício de facções criminosas, mas sim em favor da segurança de toda a sociedade.
A assistência prevista no art. 245 da Constituição Federal propugna pelo amparo à vítima, seus familiares e dependentes carentes, proporcionando condições para a reparação de danos materiais, de saúde ou psicológicos, provocados pela prática de crime doloso. Nesse sentido, tenta resgatar a vítima e seus dependentes, em condição de vulnerabilidade social, do abandono e da indiferença a que foram sujeitados em virtude da falta de regulamentação do citado dispositivo constitucional. São mais de trinta anos de indiferença estatal para com aplicação das providências expressas no mencionado artigo. Ao longo desse período, a vítima vem sendo tratada, na realidade, apenas como elemento de prova no processo penal. Nenhuma outra relevância tem sido a ela conferida e a seus familiares, sobretudo aos mais vulneráveis socialmente.
A sociedade brasileira, no entanto, vem questionando que se conceda assistência a indivíduos com dívida penal, autores de delitos que estão encarcerados, mas não se proceda à devida assistência às vítimas de crimes dolosos e seus dependentes. Por conta disso, é imprescindível dar início ao efetivo cumprimento da legislação brasileira e, desse modo, oportunizar condições para reestabelecer a justiça social nas relações institucionais para com aqueles que sofrem diretamente os efeitos danosos da prática de ilícitos penais dolosos.
Por fim, trata-se de sensibilizar os diversos atores sociais e segmentos estatais para que mobilizem as representações institucionais com vistas a regulamentar e efetivamente aplicar o texto constitucional no tocante à concessão do devido amparo/assistência aos que são vitimados pela prática de crimes dolosos no país e seus dependentes vulneráveis socialmente.
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