É muito frequente a confusão que se estabelece quando se toma a categoria criminalidade como mero sinônimo de crime ou de violência, quase sempre abordada de modo superficial. Do ponto de vista técnico, criminalidade é algo bastante distinto.
Trata-se de uma espécie de medição do quantitativo ou percentual de determinado crime ou do conjunto de delitos de uma coletividade, servindo como um indicativo da tendência ao cometimento de crimes numa sociedade. Nessa perspectiva, consiste em levantar e analisar os índices e as estatísticas dos crimes praticados num determinado coletivo, ou seja, num município, num estado ou em nível nacional, a fim de se conhecer o nível e a tendência ao crime de determinado local ou população. O Anuário brasileiro de segurança pública, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), e o Atlas da violência, produzido pelo FBSP e pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), constituem as referências mais conhecidas de estudos sobre a criminalidade no Brasil.
Considerando isso, pode-se definir ainda criminalidade como o estudo estatístico de índices de crime, cujas repercussões dos números produzidos por esse estudo podem impactar sobremaneira na percepção e na sensação de insegurança pública. Com base nesse entendimento, dispõe-se de critério para evitar confundir criminalidade com criminologia. Esta ciência, de caráter interdisciplinar, procura estudar os diversos fatores que concorrem ou operam para a produção do delito, tratando ainda do controle social da conduta criminosa e das possibilidades de ressocialização do autor do crime.
Crime é a conduta descrita na ordem jurídica, seguida de previsão da respectiva pena. É conduta reprovada socialmente, apurada e condenada pelas instituições do sistema de justiça criminal. O delito deve estar previsto na ordem jurídica: a conduta criminosa deve estar tipificada antes de ser praticada, bem como a hipótese de pena que lhe corresponda. O principal documento no qual se descrevem os crimes e as previsões das respectivas penas é o Código Penal, mas há também leis especializadas. O conjunto dos crimes ou de determinados delitos praticados numa sociedade é o que constitui a matéria prima para o que chamamos de criminalidade. Portanto, não é suficiente dizer que o objeto de análise da criminalidade constitui-se de expressões de violência ilegítima, sendo então necessário esclarecer que ele se refere à violência ilegítima devidamente prevista e tipificada nas leis penais.
A criminalidade estuda os números do crime ou de determinados crimes, a fim de formular índices e indicadores de segurança pública. Seus indicadores podem ser gerais, englobando todos os delitos praticados numa determinada localidade ou ordem social, como também podem se referir a grupos de crimes ou ainda apenas a um tipo de crime específico. Esse último caso visualiza-se quando diante de número de homicídios, de latrocínios ou de feminicídios praticados em determinado coletivo (município, estado ou país). Quando se refere a grupo de ilícitos penais, a criminalidade aponta por exemplo o número de crimes contra o patrimônio, chegando a englobar diversos delitos desse grupo, tais como o furto, o roubo, a extorsão, a usurpação, a apropriação indébita, o estelionato, a receptação e outros que integram desse segmento temático. Em se tratando de indicadores gerais, estes ocorrem quando diante de um número total de vítimas ou do registro de ocorrências de delitos. Esses números decorrentes do exame da criminalidade possibilitam formar uma percepção da insegurança pública do lugar ou da coletividade analisada. Quanto maior o índice da prática de delitos, maior é a criminalidade.
Os indicadores de criminalidade podem incidir, sistemática ou singularmente, sobre grupos, sobre populações, sobre cidades, sobre regiões, sobre países ou até mesmo sobre continentes, de acordo com o interesse da análise científica referente à criminalidade. Esses indicadores da prática e da tendência de crimes, em determinado lugar no tempo, são de grande relevância porque possibilitam nortear intervenções por meio de políticas sociais, inclusive de segurança pública. A análise da criminalidade permite, desse modo, identificar o crime a ser prioritariamente combatido; subsidiar a preparação da polícia de modo a prevenir, investigar e reprimir o delito de forma adequada; levantar os demais serviços e assistências a serem devidamente prestadas para evitar a reiterada prática de infrações penais.
Apesar da importância da criminalidade como ferramenta analítica, há questões que ela simplesmente não alcança, uma vez que extrapolam seu objeto, mas que também são relevantes como indicativo do grau de violência e de insegurança pública. Um exemplo disso é o elevado número de suicídio entre jovens, entre policiais, e sua tendência à expansão. O suicídio não é crime, mas a participação nele, por meio do induzimento, da instigação e do auxílio à prática dele, sim, constitui delito (art. 122/Código Penal). Essa morte resultante do suicídio não constitui necessária e tecnicamente objeto do que se entende por criminalidade, no caso de se considerar que matar-se não constitui delito. Mas nada impede de questionar: o que tem levado os jovens a atentar contra a própria vida? Por que essa tendência é crescente entre os mais jovens e os policiais no Brasil? Que pressões, frustrações, aflições, violências e outros fatores têm atuado como elementos deflagradores, motivadores ou justificadores dessa conduta? Responder a essas questões é importante para fundamentar uma atuação mais eficaz no sentido de combater a insegurança pública.
Os indicadores de criminalidade, em regra, servem de parâmetros acerca das práticas delituosas e das tendências de insegurança pública. No Brasil, por exemplo, as taxas de criminalidade relativas a crimes violentos têm se expandido, segundo indicadores anuais, atingindo altos níveis quando se trata de violência armada. Alguns estudos técnicos e a própria polícia investigativa (polícia judiciária) tem apontado que um fator essencial para entender essa realidade é a vinculação dessa violência a atividades ligadas à economia do tráfico de drogas ou associadas ao mesmo, bem como vinculações a organizações criminosas. Outros aludem ainda à exposição à vulnerabilidade social, em especial o abandono material, moral e intelectual, que praticamente “empurram” o jovem brasileiro à economia do crime, principalmente a do tráfico de drogas, sem desconsiderar, todavia, a robusta economia do crescente tráfico de armas, de órgãos e de pessoas. A análise da criminalidade possibilita, com isso, entender certas tendências da atividade criminosa, como também fornece elementos para ajudar na deliberação quanto aos tipos de intervenção policial e institucional a proceder.
Enfim, a categoria “criminalidade” tem significativa relevância na tarefa de colaborar com elementos, dados e estatísticas para subsidiar decisões sobre a atuação das polícias, sobre as intervenções de combate à insegurança, sobre as ações de diversos órgãos estatais e entidades sociais destinadas a promover segurança pública, nos termos definidos pelos artigos 5°, 6° e 144 da Constituição da República de 1988.
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