A invisibilidade social pode configurar-se num fator de violência e de criminalidade, sobretudo quando cessa pela via da insegurança pública. Os invisíveis estão por toda parte, mas nem sempre queremos vê-los. Estão nas ruas, estão nas praças, estão nas favelas, estão entre refugiados e migrantes, estão nos lixões, estão nas esquinas, nos arredores de algum empreendimento ou em modestos serviços do cotidiano.
Nosso olhar, todavia, está por demais condicionado culturalmente para não querer percebê-los ou simplesmente para ignorá-los. Eles existem, mas não os vemos. Talvez porque, um tanto inconscientemente, fazemos questão de não perceber o que não nos agrada.
Acontece algo assim também com a memória: selecionamos lembranças. Quando não percebemos nem fazemos conta de alguém, nosso olhar é seletivo. É preciso estar atento para as razões dessa seletividade, a fim de que ela não esteja baseada nalgum preconceito ou discriminação social, seja por conta da raça ou da cor da pele, seja por questão de gênero, seja por motivo de classe social, seja por causa de lugar de origem, seja em virtude de opção política ou ideológica, seja a pretexto de opção religiosa, e outras causas praticamente indesculpáveis sob o ponto de vista da liberdade cívica e da orientação democrática.
A negligência para com os invisíveis, isto é, a invisibilidade socialmente imposta pode resultar, e quase sempre tem resultado, em situações de crise, de violência e de prática de delitos, evidenciando o altíssimo “preço” pago pela sociedade por conta dessa indiferença, em especial para com aqueles em situação de maior risco e de vulnerabilidade social.
É preciso que a sociedade e as instituições notem “os invisíveis” antes que seja tarde demais. Antes que eles já tenham “tomado gosto” pela vida de violência, pela atividade ilícita e pela economia do crime. Antes que eles façam opção definitiva pelo obscurantismo, pela mediocridade, pela corrupção. Antes que eles, por fim, sejam percebidos somente quando estiverem apontando uma arma para nossas cabeças ou se apropriando indevidamente de recursos públicos por meio de mandatos e cargos públicos, eletivos ou não.
Não há pior forma de perceber os que há pouco eram invisíveis do que numa dessas situações, sendo vítima de ameaças ou de práticas delituosas dos mesmos. Antes não existiam, mas perceberam que com uma arma, na prática de delitos, passaram a ser notados. Gostar dessa visibilidade é um vício perigoso e, muito frequentemente, fatal seja para a vítima seja para o autor.
O problema é deixar socialmente que se chegue à construção dessa identidade: apreciar a associação à violência, à ilicitude, à corrupção e à delinquência. Identificar-se com essa cultura criminógena é devolver a violenta indiferença e a invisibilidade social da pior forma possível à sociedade: convertendo a invisibilidade num fator de violência e criminalidade. É quando, com efeito, a invisibilidade social se torna uma séria questão de insegurança pública. Por isso, quaisquer que sejam as sociedades nos padrões ocidentais vigentes, suas instituições e órgãos precisam perceber o quanto antes aqueles indivíduos e grupos submetidos a essa invisibilidade social a que nos referimos, principalmente com vistas a evitar maiores problemas de insegurança pública e a promover maior inclusão social, cidadania e valorização da dignidade humana.
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