
Por Felipe Campinas, do ATUAL
MANAUS – Os deputados estaduais do Amazonas retiraram da Constituição do Estado artigo que fixava regras sobre o período de trabalho deles durante o ano e sobre a eleição da Mesa Diretora. Os parlamentares alegam que as questões são internas e devem ser tratadas apenas no regimento da Casa Legislativa. Profissionais do Direito divergem sobre o tema.
A mudança na Constituição estadual está entre os 56 projetos que foram aprovados no dia 11 deste mês pela Assembleia Legislativa do estado em 7 minutos e meio. A sessão foi a penúltima antes do recesso do meio de ano.
Os deputados aproveitaram uma ordem do STF (Supremo Tribunal Federal) para retirar os defensores públicos e os procuradores do Amazonas da lista de agentes públicos com foro privilegiado e incluíram a revogação do Artigo 29 da Constituição estadual.
O artigo previa que os deputados deveriam se reunir entre 1º de fevereiro e 16 de julho, e 1º de agosto e 31 de dezembro para trabalhar. (A íntegra do texto revogado está no fim da matéria).
O mesmo artigo previa que os membros da Mesa Diretora do primeiro biênio seriam escolhidos em fevereiro, e que durante o mesmo biênio os deputados poderiam escolher a Mesa Diretora que comandaria a Casa nos dois últimos anos de mandato.
Parte do texto havia sido alterada em abril deste ano para garantir o terceiro mandato consecutivo de presidente da Assembleia Legislativa ao deputado Roberto Cidade (União Brasil). Ele foi presidente da Casa no biênio 2021-2023, está cumprindo o biênio 2023-2025 e já garantiu o biênio 2025-2027.
Antes dessa mudança, o artigo já disciplinava sobre o período de trabalho dos parlamentares e a eleição da Mesa Diretora. Em abril, houve apenas uma alteração para permitir a antecipação da eleição do biênio 2025-2027.
Na justificativa da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) aprovada no dia 11 deste mês, os deputados afirmaram que “as revogações propostas ao art. 29 visam adequar o regramento constitucional estadual, onde matérias de índole eminentemente regimental devem ser tratadas na instância normativa própria e ser disciplinada no regimento interno da Casa”.
A alegação é similar ao que sustentou a Procuradoria da Assembleia Legislativa do Amazonas no âmbito de ação judicial que contesta a reeleição do deputado Roberto Cidade. No dia 29 de junho, a Procuradoria afirmou que a reeleição é uma questão interna da Casa, ou seja, não deve estar prevista na Constituição, somente no regimento interno.
“A Constituição da República não traz nenhuma previsão com relação à data da eleição da Mesa Diretora para o segundo biênio no âmbito das Casas do Congresso Nacional, ficando a cargo das Casas Legislativas dos entes subnacionais, dentro da prerrogativa constitucional de auto- organização, a definição do momento da realização deste pleito, de caráter eminentemente interna corporis”, alegou o procurador-geral Robert Wagner Fonseca de Oliveira.
Leia mais: Promotor pede anulação da reeleição de Roberto Cidade para 3° mandato
Divergência

Para o promotor de Justiça Weslei Machado Alves, manter a fixação do período de trabalho dos parlamentares apenas no regimento interno da Assembleia dará liberdade aos deputados para trabalharem quando quiserem. Ele classifica a mudança como “esdrúxula” e “equivocada”.
“O que está havendo é mais uma mudança legislativa que atende apenas interesses próprios, interesses internos de legisladores para se dar mais liberdade, se vão parar ou não vão parar, se vão interromper ou não vão interromper, e quando querem trabalhar, ao invés de deixar essa definição no texto da Constituição Estadual assim como acontece no modelo federal cuja fixação de tais parâmetros está na Constituição Federal”, disse o promotor.
Conforme Alves, a Constituição Federal prevê o início das atividades do Congresso Nacional em fevereiro, a suspensão em julho, o retorno em agosto e o encerramento em dezembro. Segundo ele, assim deveria ocorrer no âmbito estadual.
“Essas datas pré-estabelecidas sequer devem gerar a suspensão ou o encerramento de uma sessão legislativa se o Poder Legislativo não cumprir o seu dever de aprovação das leis orçamentárias, da Lei de Diretrizes Orçamentárias ou da Lei Orçamentária Anual”, completa Alves.
O promotor lembra que a mudança no regimento interno é mais simples do que a mudança na Constituição estadual.
“Não se deve admitir mudanças no texto constitucional estadual no sentido de colocar ao arbítrio, à liberdade dos integrantes de uma Casa Legislativa a fixação por simples mudança regimental cujo quórum de aprovação é muito mais facilitado, com a finalidade de permitir que eles possam estabelecer que vão trabalhar em um período muito menor. Temos que lembrar que os demais trabalhadores brasileiros trabalham de janeiro a dezembro. Ao contrário, o Legislativo tem a suspensão dos seus trabalhos no mês de julho, em parte de dezembro e em janeiro inteiro”, disse Alves.
“Permitir que nós tenhamos a fixação desse período de realização de uma sessão legislativa só no regimento colocaria em um juízo, em um arbítrio dos legisladores de dizer que vão trabalhar quando quiserem, do jeito que quiserem, sem nem mesmo se submeterem à exigência da aprovação das leis orçamentárias como fator impeditivo de suspensão ou de encerramento de uma sessão legislativa”, completou o promotor.

Para o professor Daniel Benvenutti, as questões sobre a escolha dos membros da Mesa Diretora devem ficar apenas no regimento interno.
“Não acho que os agentes políticos com a revogação tenham uma estrutura de perpetuação. A Mesa da Câmara, a Mesa da Assembleia Legislativa, a Mesa do Senado tem uma composição jurídica que é determinada a partir de uma leitura do seu regimento interno”, afirma Benvenutti.
“É a partir do regimento interno que há a determinação, inclusive a disposição das vagas para que se possa concorrer às vagas e presidir as casas legislativas. Então, não acho que necessariamente a gente tenha uma violação democrática nesse sentido, mesmo porque eles são eleitos pelo voto do povo. E se são eleitos pelo voto do povo não teria a ideia de perpetuação”, completa o professor.
Benvenutti afirma que “a Constituição serve para instituir normas programáticas e assegurar a manutenção dos direitos e garantias fundamentais”. “O resto deve ser tratado objetivamente por legislação específica”, afirma.
Veja o que foi revogado:
Art. 29. A Assembléia Legislativa do Estado do Amazonas se reunirá anualmente, na Capital do Estado, de 1º de fevereiro a 16 de julho, e de 1º de agosto a 31 de dezembro.
§ 1º As reuniões marcadas para essas datas serão transferidas para o primeiro dia útil subseqüente, quando recaírem em sábados, domingos ou feriados.
§ 4º A Assembléia Legislativa realizará reuniões preparatórias, atendendo aos seguintes objetivos:
I – no dia primeiro de fevereiro do ano de instalação dos trabalhos legislativos para dar posse aos Deputados e eleger a Mesa Diretora para o primeiro biênio da legislatura;
ll – no curso do primeiro biênio da legislatura, para eleger a Mesa Diretora para o biênio subsequente, em reunião especialmente convocada para esse fim, na forma que dispuser o Regimento Interno;” (NR) III- na primeira quinzena de fevereiro, atendendo a convocação do Presidente, para melhor instruir o inicio de cada período legislativo.
Leia a Emenda Constitucional nº 134, de 11 de julho de 2023:
