Da Folhapress
BRASÍLIA – Em depoimento à CPI da Covid, o coronel Élcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, reconheceu que o governo federal adotou o tratamento precoce como estratégia principal para o enfrentamento da pandemia, com o “medicamento que o médico julgar oportuno”.
Franco, braço direito do ex-ministro Eduardo Pazuello e atualmente assessor especial da Casa Civil, também repetiu versões dadas por seu superior para justificar a lentidão no processo de aquisição de vacinas, culpando a legislação brasileira na época e atrasos no desenvolvimento dos imunizantes, em especial do Instituto Butantan.
Assim como Pazuello, Franco também contrariou vídeo público de uma ordem do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e a versão oficial do Butantan, afirmando que as negociações para a compra da Coronavac nunca foram paralisadas.
O coronel do Exército prestou depoimento na CPI da Covid nesta quarta-feira em uma sessão que muitos senadores consideraram uma das mais fracas desde o início das atividades da comissão.
Franco evitou responder diretamente se o Ministério da Saúde defendia o uso da hidroxicloroquina, medicamento sem eficácia comprovada para o tratamento da Covid. Por outro lado, afirmou que a gestão Pazuello sempre defendeu o “atendimento precoce”.
“Nossa gestão do Ministério da Saúde defendia o atendimento precoce do paciente”, disse. “Com o medicamento que o médico julgar oportuno, dentro da sua autonomia. E, se ele for usar algum medicamento off label, como vários são utilizados na saúde, que ele faça o esclarecimento para o paciente, que só poderá ser medicado com aquele medicamento se aceitar”, completou.
Governistas, desde o ano passado, afirmam que defendem o tratamento precoce, mas evitam dizer como deveria ser esse tratamento, deixando a cargo dos médicos. Como não há medicamentos para tratar a Covid-19, a classe médica considera evidente que o tratamento precoce preconizado significa o uso da hidroxicloroquina, ivermectina e outros medicamentos, administrados fora do previsto em bula.
O ex-secretário-executivo também disse que não adquiriu cloroquina para combater a Covid-19 em 2020. Ele afirmou que no ano passado só houve aquisição do medicamento para o programa de malária.
“Por determinação do Pazuello, na nossa gestão não ocorreu aquisição de cloroquina em 2020 para combater a Covid-19. Porém, identificamos que para atender ao programa antimalária, em 30 de abril em 2020 foi assinado um termo aditivo ao TED com a Fiocruz no valor de R$ 50 mil visando a aquisição desse fármaco para o programa antimalária”.
No entanto, o jornal Folha de S.Paulo mostrou que o Ministério da Saúde desviou para o programa da Covid 2 milhões dos 3 milhões de comprimidos de cloroquina fabricados pela Fiocruz para o combate à malária.
O coronel também reconheceu que, quando contraiu a Covid-19, foi tratado com hidroxicloroquina, ivermectina e outros medicamentos sem eficácia comprovada, pois havia sido receitado por seu médico.
A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) indagou se esses medicamentos não podem ter sido nocivos, já que ele relatou ter 25% a 50% dos pulmões afetados. Franco respondeu que “poderia ter sido pior” sem esses medicamentos.
Ele também negou a lentidão na aquisição das vacinas, mas levantou uma série de empecilhos para a compra das imunizações.
Provocou a reação dos senadores ao afirmar que as negociações para a compra da Coronavac, desenvolvida em parceria entre o Butantan e o laboratório chinês Sinovac, nunca foram interrompidas.
Em vídeo público de outubro, Bolsonaro afirma que havia dado ordem para que o então ministro Pazuello cancelasse contrato para a compra de 40 milhões de doses da Coronavac. Em outro vídeo, o general ao lado do presidente afirma que “um manda, o outro obedece”.
Além disso, em depoimento à CPI, o diretor do Butantan, Dimas Covas, confirmou que as negociações foram paralisadas após esses episódios. “Todas essas negociações que ocorriam com troca de equipes técnicas, com troca de documentos, a partir desse momento elas foram suspensas. Quer dizer, houve, no dia 19 [de outubro de 2020], um dia antes da reunião com o ministro, um documento do ministério que era um compromisso de incorporação, mas, após, esse compromisso ficou em suspenso e, de fato, só foi concretizado em 7 de janeiro”, afirmou Covas em depoimento à comissão.
Franco evitou falar que Covas mentiu à CPI, mas manteve o argumento de Pazuello. “Eu acredito que foi uma questão de percepção do doutor Dimas Covas. Mas a área técnica estava sempre acompanhando o desenvolvimento da vacina”, afirmou.
“Não recebi ordem para interromper, e elas continuaram. Essas tratativas continuaram. E o Instituto Butantan, como eu falei, o dr. Dimas Covas e a Cintia tinham o meu telefone e, em caso de alguma dificuldade de comunicação, eles poderiam ter mandado mensagem para o meu WhatsApp e poderiam ter conversado comigo”, completou.
O relator, Renan Calheiros (MDB-AL), questionou por que o governo federal não adquiriu antes as doses da Coronavac, em ofertas que foram anunciadas por Covas à CPI. Franco culpou a legislação brasileira e afirmou que havia “incertezas” em relação à eficácia da imunização, que ainda estava em fase 3 de testes clínicos.
“Essas vacinas ainda estavam na fase 3 de desenvolvimento de estudos clínicos, ou seja, a fase que também é denominada cemitério das vacinas. O grau de incerteza é muito grande, não é? Nenhum desses laboratórios poderia nos garantir, efetivamente, que a vacina seria desenvolvida com sucesso”, afirmou.
O senador Eduardo Braga (MDB-AM) rebateu a fala afirmando que no cemitério estão pessoas que morreram porque ainda não havia vacinas.
Franco também criticou o Butantan, afirmando que houve lentidão no desenvolvimento das vacinas e na entrega de documentos, que eram exigidos.
O coronel do Exército também afirmou que desconhece a existência de um gabinete paralelo fora da estrutura do Ministério da Saúde para auxiliar o presidente Bolsonaro em temas relacionados à pandemia.
Afirmou que recebeu o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), apontado como um dos líderes desse gabinete, mas para tratar apenas de emendas parlamentares.
Também na sessão desta quarta-feira, os senadores da CPI aprovaram uma série de requerimentos de convocação de autoridades para prestarem depoimento. Entre os alvos estão autoridades que integrariam essa estrutura paralela.
Um dos convocados é o próprio Terra, que é médico e considerado um dos principais conselheiros de Bolsonaro na área da saúde. O deputado já defendeu publicamente a tese da imunidade de rebanho.
Ainda no ambiente do gabinete paralelo, foi convocado o secretário de Comunicação Institucional da Presidência, Felipe Cruz Pedri.
Os senadores também aprovaram a convocação do ex-secretário de Saúde do Distrito Federal Francisco de Araújo Filho, que chegou a ser detido em operação policial.
Outro requerimento aprovado prevê a convocação da diretora do PNI (Programa Nacional de Imunizações), Francieli Fantinato, fruto de requerimento do senador Otto Alencar (PSD-BA), para dar explicações sobre vacinação para gestantes e também a respeito da obediência ao previsto nas bulas das vacinas.
O mesmo requerimento prevê uma acareação entre Fantinato e a ex-secretária extraordinária de enfrentamento da pandemia Luana Araújo. Também foram convocados o empresário José Alves Filho e o presidente da Apsen Farmacêutica, Renato Spallicci.
Os senadores aprovaram ainda uma perícia no sistema do aplicativo TrateCov, que chegou a receitar a hidroxicloroquina.
Além disso, pediram explicações ao Ministério da Saúde sobre eventuais negócios com a médica Nise Yamaguchi, defensora da hidroxicloroquina e que já prestou depoimento à comissão.
Outro requerimento prevê que companhias aéreas prestem informações sobre voos de Nise, para tentar obter informações sobre eventuais participações em reuniões do gabinete paralelo.
Os senadores da CPI também aprovaram a convocação para depoimento do servidor do TCU (Tribunal de Contas da União) Alexandre Figueiredo Costa e Silva.
Ele elaborou um relatório paralelo para tentar mostrar que os números de mortes em decorrência da Covid-19 estavam superestimados. O documento foi citado por Bolsonaro, que depois se desculpou.
Os senadores querem saber se Costa e Silva manteve contato com integrantes do gabinete paralelo, com autoridades do Palácio do Planalto ou com os filhos e pessoas próximas a Bolsonaro.
A CPI da Covid também aprovou requerimento que reclassifica todos os documentos recebidos pela comissão – serão considerados sigilosos somente os que são garantidos por lei, ou seja, que obtenham informações bancárias, fiscais, de segurança nacional e de interesse do Estado brasileiro.
A discussão começou após o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) reclamar que está tendo dificuldade para acessar documentos do Amazonas a fim de se preparar para o depoimento do governador do estado, Wilson Lima (PSC). “Diante do exposto venho requerer que se busque resolver em definitivo o problema técnico que se apresenta”.