
BRASÍLIA – Em delação premiada homologada nesta terça-feira, 15, no Supremo Tribunal Federal (STF), o senador Delcídio Amaral (PT-MS) expôs o chamado “arco de influência” da bancada do PMDB do Senado em nomeações para ministérios e estatais. Segundo ele, o partido é especialmente protagonista no Ministério de Minas e Energia (MME), com representantes na Eletrosul, Eletronorte, Eletronuclear e, até mais recentemente, nas diretorias de abastecimento e internacional da Petrobras.
Entre os parlamentares peemedebistas citados por Delcídio, está o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), além do ex-ministro do MME, Edison Lobão (MA). Os senadores Jader Barbalho (PA), Romero Jucá (RR) e Valdir Raupp (RO) também fariam parte do “time” que teria influência nas obras das hidrelétricas de Belo Monte, Jirau e Santo Antônio, além da Usina Nuclear de Angra 3.
“Na Petrobras, abraçaram a manutenção de Paulo Roberto Costa na diretoria de abastecimento e Nestor Cerveró na diretoria internacional, como consequência do ‘escândalo do Mensalão’. A ação desse grupo se fez presente em subsidiárias da Petrobras como, por exemplo, a Transpetro. Lá reinou, absoluto, durante dez anos, Sérgio Machado, indicado por Renan Calheiros. Seguidas vezes o vi, semanalmente, despachando com Renan na residência oficial da Presidência do Senado”, relatou Delcídio aos investigadores.
O delator chama a atenção para as agências nacionais de Saúde Suplementar (ANS) e de Vigilância Sanitária (Anvisa), cujas diretorias também teriam sido indicadas pelo PMDB do Senado, principalmente por Renan, Jucá e pelo líder do PMDB na casa, Eunício Oliveira (CE). “Jogaram ‘pesado’ com o governo para emplacar os principais dirigentes dessas agências. Com a decadência dos empreiteiros, as empresas de planos de saúde e laboratórios se tornaram os principais alvos de propina para os políticos e executivos do governo”, acrescentou Delcídio.
O senador petista acusou ainda Eunício de colocar suas empresas para prestar serviços terceirizados na Petrobras e em vários ministérios, “através de contratos milionários”, alguns sem licitação ou concorrência pública.
De acordo com Delcídio, os principais “operadores” do PMDB seriam Jorge Luz e Milton Lyra. Esse último, chamado pelo delator de “homo brasiliensis”, teria grande atividade junto a fundos de pensão como o Postalis, dos Correios, cuja direção havia sido indicada por Renan e Lobão.
“O ‘homo brasiliensis’ opera bastante com o deputado Eduardo Cunha (RJ) e o senador Romero Jucá, especialmente na definição de emendas às medidas provisórias que tramitam nas duas casas (Câmara e Senado)”, completou.
Propina
O senador Delcídio confessou ter recebido US$ 1 milhão em propina para pagar dívidas de campanha. O dinheiro era fruto da compra, pela Petrobras, da Refinaria de Pasadena, no Texas (EUA), e foi repassado pelo então diretor Internacional da companhia, Nestor Cerveró, atualmente preso pela Operação Lava Jato. Ao saber do montante de suborno movimentado pelo então dirigente da estatal, o petista se disse “estupefato”.
O petista relatou que, após ser derrotado na disputa pelo Governo do Mato Grosso do Sul, em 2006, recorreu a Cerveró e Renato Duque, então diretor de Serviços, hoje também preso na Lava Jato, para obter recursos de fornecedores da estatal. A campanha havia se encerrado com um rombo de R$ 5 milhões a R$ 6 milhões.
Ele explicou que, enquanto não recebia retorno dos dirigentes da companhia, recorreu ao ministro da Secretaria de Governo, Ricardo Bezoini, e o PT assumiu parte dos débitos. A ajuda para pagar outra parcela veio de Cerveró, que o avisou de que Fernando Baiano, operador de propinas na companhia, o procuraria para repassar US$ 1 milhão em espécie.
“O depoente soube, posteriormente, que a origem desses recursos teria advindo de propinas pagas a partir da compra da Refinaria de Pasadena, no valor global de US$ 15 milhões. O depoente sabia que Cerveró arrecadava dinheiro, a titulo de propina, para o PMDB do Senado”, diz trecho do depoimento de delação transcrito pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Os recursos, explicou, foram usados para quitar dívidas com fornecedores de campanha e não contabilizados. “O depoente sabe que, sendo doação oficial de campanha ou não, o valor destinado seria oriundo de propina. Concorda que o pedido que realizou a Cerveró e a Duque foi errado. Reconhece esse erro”, diz transcrição do depoimento Delcídio. Ele contou não saber do montante de propina movimentado por Cerveró. “Quando obteve tal conhecimento, ficou estupefato”, diz o documento.
Para receber os recursos de Cerveró, Delcídio enviou um de seus amigos, Alberto Godinho. No depoimento, ele ressaltou, contudo, que o emissário não sabia da origem do dinheiro.
O petista também citou possível pagamento de propina na compra da Refinaria de Okinawa, no Japão, por US$ 72 milhões. “O depoente acredita que o mesmo esquema de pagamento de propinas, já investigado no Caso Lava lato, repetiu-se durante a compra de Okinawa. Os desenvolvedores do projeto de compra foram Cerveró e a equipe comandada por ele”, diz trecho do depoimento transcrito pela PGR.
Empreiteiras
O senador Delcídio acusou, em delação premiada, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, de sinalizar “de uma forma muito sutil” a aprovação de financiamentos do banco de fomento obrigando grandes empresas a fazerem doações para campanhas eleitorais.
Ele citou as empreiteiras Odebrecht, Andrade Gutierrez e OAS – ao lado do grupo JBS – como algumas das principais doadoras de campanhas eleitorais no País e avaliou que “a República cai” se algum dos executivos das companhias vierem a colaborar nas investigações da Operação Lava Jato.
“(Essas empreiteiras) atuam ecumenicamente quando o a assunto é eleição. A Odebrecht e a OAS são mais petistas, o que nunca as impediu de, evidentemente, apoiar candidaturas de outros partidos. A Andrade Gutierrez é mais ‘tucana’, o que não a impede de apoiar outros partidos. Não é por mera coincidência que estão juntas, entre outros projetos, na Usina Hidrelétrica de Belo Monte”, afirmou Delcídio aos investigadores.
Segundo o delator, uma lista sigilosa da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado – que foi presidida por Delcídio – mostra os financiamentos concedidos pelo BNDES para as empreiteiras em obras no exterior.
Senadores petistas
O senador Delcídio Amaral (PT-SP) cita a atuação de senadores petistas em negociatas para a obtenção de recursos para campanhas eleitorais aos cargos do Legislativo.
No acordo firmado com a Procuradoria-Geral da República para colaborar com as investigações, Delcídio avaliou que “se deve dar atenção especial” para o período no qual a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), ex-ministra-chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff, foi diretora financeira de Itaipu, quando vários negócios envolvendo obras teriam passado pelas suas mãos.
“O mesmo vale para as concessões do Porto de Santos, quando a mesma, como chefe da Casa Civil, teve atuação decisiva na definição das áreas leiloadas”, acrescentou o delator.
Delcídio afirma ainda que é “de notório conhecimento” a relação de Gleisi com a empresa Consist. Segundo ele, a Consist acompanha a senadora e seu marido – o também ex-ministro de Dilma Paulo Bernardo – desde a época em que foram secretários do ex-governador do Mato Grosso do Sul, Zeca do PT.
“A Consist, sempre atuou como braço financeiro dos mesmos, e como mantenedora das despesas do mandato da senadora Gleisi, nos últimos anos. Existem provas incontestáveis sobre isso”, disse Delcídio aos investigadores. De acordo com ele, Paulo Bernardo sempre foi o “operador” da esposa.
No documento de delação, Delcídio também alega que o senador Humberto Costa (PT-PE) “agiu com desenvoltura” na Refinaria de Suape (PE). “Ele foi parceiro, entre outras empresas, da White Martins, que sempre contribuiu decisivamente para suas campanhas”, afirmou.
Segundo o delator, o “operador” de Humberto Costa no esquema é o empresário Mario Beltrão. Além disso, Delcídio cita a proximidade do senador pernambucano com o ex-diretor de abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa.
Delcídio deixou a prisão em 19 de fevereiro, após ter ficado quase três meses na cadeia acusado de tentar obstruir as investigações da Operação Lava Jato. O ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato STF, homologou nesta terça-feira, 15, delação premiada do senador e abriu o sigilo dos autos.
Mercadante
Delcídio também entregou à Procuradoria-Geral da República gravação entre seu assessor Eduardo Marzagão e o ministro da Educação, Aloísio Mercadante (PT-SP). Os diálogos foram gravados nos dias 1, 9 e 28 de dezembro de 2015, quando Delcídio já estava preso por tentar barrar a Operação Lava Jato.
Em uma das conversas, Mercadante sugere a Marzagão que diga ao ex-líder do Governo no Senado para “ter calma e avaliar muito bem a conduta a tomar, diante da complexidade do momento político”. Duas conversas foram gravadas diretamente com o ministro. A terceira, com “Cacá”, assessora de Mercadante.
“Aloísio Mercadante também afirmou que, em pouco tempo, o problema do depoente seria esquecido e que tudo ficaria bem”, afirmou Delcídio no depoimento. “Eduardo Marzagão mencionou que o depoente e sua família estavam gastando dinheiro com advogados e, para tanto, colocando imóvel a venda; que, naquele momento, Aloísio Mercadante disse que a questão financeira e, especificamente, o pagamento de advogados, poderia ser solucionado, provavelmente por meio de empresa ligada ao PT; que o depoente assim conclui porque este e o modus operandi do PT”, prossegue o depoimento.
Delcídio deixou a prisão em 19 de fevereiro, após ter ficado quase três meses na cadeia acusado de tentar obstruir as investigações da Operação Lava Jato. O ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato STF, homologou hoje delação premiada do senador e abriu o sigilo dos autos.
(Estadão Conteúdo/ATUAL)