Por Everton Lopes Batista, da Folhapress
SÃO PAULO-SP – Os movimentos de defesa de valores morais ligados a famílias formadas por casais heterossexuais, a chamada família tradicional, abriram espaço para a ascensão de ideias antidemocráticas e, frequentemente, andam juntos a líderes autoritários.
Dialogar com esses movimentos é um dos maiores desafios para o campo progressista, segundo participantes de um debate realizado nessa quarta-feira, 16, no seminário Democracia em Colapso?, promovido pelo Sesc e pela Boitempo, no Sesc Pinheiros, em São Paulo.
Para Flávia Biroli, professora de ciência política na Universidade de Brasília (UnB), há inseguranças sobre vínculos familiares atualmente que estão no cerne desse fenômeno e não podem ser ignoradas.
Os avanços de grupos feministas e LGBTs, e os efeitos cumulativos de políticas neoliberais, que teriam contribuído para a precarização das condições de vida em democracias liberais, estão entre os principais causadores dessas inseguranças. “Não é novidade que o conservadorismo depende de uma ideia de moralidade ligada a família, mas as disputas relativas ao gênero são novas e contribuem para a erosão dos direitos e valores democráticos”, disse Biroli.
O combate contra a ideologia de gênero teria se tornado, assim, uma ferramenta política com grande força de mobilização para regimes antidemocráticos e autoritários, segundo a cientista política. “A decepção com a democracia liberal, a moralização das inseguranças e a desconfiança das elites políticas foram utilizados para criminalizar movimentos sociais em países como Polônia e Hungria”, disse Biroli, que afirma ver tendências parecidas no Brasil.
Na linha de frente do conservadorismo brasileiro estão os evangélicos. Para o pastor e cientista social Henrique Vieira, líder da Igreja Batista do Caminho, do Rio, o extremismo evangélico é perigoso e potencializa violências históricas, como as cometidas contra negros e mulheres no passado e no presente do país.
“Para os fundamentalistas, há uma verdade e uma tradição que estão sendo corroídos pelas feministas e pelos LGBTs. Há um senso de que os corpos em movimento na história estão acabando com essa verdade e são uma ameaça ao código tradicional”, afirmou. “Mas domesticar o corpo é também anular a potencialidade subversiva de reinventar o mundo”.
Apesar do fundamentalismo no campo evangélico, o pastor ressalta que esse é um movimento plural. “Se Silas Malafaia é evangélico, Martin Luther King também era. Achar que todos são iguais é não reconhecer que há disputas dentro desse meio. Se acreditarmos que todo evangélico é conservador, entregamos o futuro do nosso país nas mãos dos coronéis da fé”, afirmou.
Coordenadora da Comissão de Cidadania, Direitos Humanos e Participação Popular de Pernambuco, a travesti Amanda Palha disse no debate que LGBTs e feministas se colocaram em uma posição defensiva nas críticas com relação à família tradicional. “Na minha concepção, não existe forma revolucionária de fazer família. Queremos destruir a família, sim. Mas isso não quer dizer que queremos o fim das relações de afeto e de cuidado, por exemplo”, disse Palha.
Para o pastor Vieira porém, o caminho para o diálogo passa por considerar a experiência das pessoas com suas famílias. “A ampliação do conceito de família é a melhor forma de dizer que as pessoas podem ser felizes com ou sem família. Devemos considerar o chão onde pisa a classe trabalhadora”, concluiu.