
Por Paula Ferreira e Renata Cafardo, do Estadão Conteúdo
BRASÍLIA – Uma das principais mudanças na EAD (Educação a Distância) no ensino superior adotadas pelo MEC (Ministério da Educação) é a obrigatoriedade de provas presenciais ao fim de todas as unidades curriculares ensinadas. Essas provas também deverão ter peso maior na nota final do aluno.
As avaliações devem incluir elementos que desenvolvam habilidades discursivas que representem um terço do peso da avaliação. Os cursos terão dois anos para se adaptar e os estudantes que estão matriculados poderão finalizar a formação da forma como começaram.
Os polos de EAD deverão ter estrutura específica, com salas para estudo e responsáveis que possam auxiliar os alunos em atividades e provas. Desde 2017, a legislação permitiu que eles fossem criados sem autorização prévia ou mesmo avaliação do MEC. O governo sequer visita esses locais para que possam funcionar e atualmente há polos que se resumem a salas em cima de padarias ou de postos de gasolina. Estima-se que a maioria dos espaços existentes hoje deixará de funcionar.
Reações
O governo chamou representantes do setor para apresentar as novas regras a portas fechadas. A ABMES (Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior), que representa grandes grupos do setor privado, afirmou que a publicação do decreto é positiva. Segundo a entidade, “representa avanço ao restabelecer o calendário regulatório e conferir segurança jurídica às instituições de ensino superior”.
Outra associação de mantenedores, o Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior) diz que contribuiu com os trabalhos e fará seminário com as faculdades a respeito. Mesmo a Abed (Associação Brasileira de Educação a Distância), que em abril chegou a divulgar um manifesto crítico às medidas, se posicionou ontem a favor da publicação das novas regras. “Isso corrige problemas antigos, quando pessoas sem a formação certa acompanhavam os alunos, o que prejudicava a qualidade do ensino”, disse o Instituto Península.
“É o primeiro passo importante, mas a gente precisa avançar mais na garantia da qualidade”, afirmou a presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes), Manuella Mirella, que esteve no Palácio do Planalto.
Semipresencial
Os outros cursos da área da Saúde – como Farmácia, Biomedicina e Fisioterapia –, além das Licenciaturas (formação de professores), ficaram numa nova categoria chamada de semipresencial, também criada pelo decreto. Eles podem ter 50% da carga horária a distância.
No restante, pelo menos 30% deverão ser presencial e os outros 20% poderão ser compostos por mais aulas presenciais ou por atividades síncronas mediadas, ou seja, aulas remotas ao vivo, com interação com professor. Além disso, há um limite de 70 alunos por turma nessas aulas ao vivo em cursos semipresenciais.
Atualmente, há 193 mil alunos matriculados em cursos EAD de Enfermagem.
Segundo o Estadão apurou com fontes do setor, foi o presidente Lula quem vetou a formação de enfermeiros com possibilidade de aulas online e pediu que o texto pronto fosse mudado na manhã desta segunda.
O MEC também havia declarado nos últimos meses que não mais permitiria cursos online de Engenharia. Mas, na apresentação feita pelo ministro Camilo Santana a Lula e a integrantes do setor nesta segunda, a qual o Estadão teve acesso, a área não aparece na lista de cursos cujo modelo EAD é vetado. Nem a Engenharia nem cursos de outras áreas, como Administração, Publicidade e Economia, são citados no documento.
Desde 2017, a EAD no Brasil passou a ter regras mais flexíveis, sem controle sobre o tamanho da carga horária dos cursos a distância. O crescimento foi de 700% no número de graduações na modalidade e, pela primeira vez na história, a maioria dos alunos em instituições privadas não está mais no ensino presencial.
De um lado, parte dos especialistas e entidades têm apontado problemas de fiscalização e qualidade da oferta. Do outro, faculdades particulares defendem a EAD como alternativa mais acessível para alunos pobres ou de áreas remotas.
Desde que assumiu o cargo, Camilo Santana manifestou insatisfação com a EAD, em especial nas áreas da Saúde e de formação docente. “A área da Saúde, por exemplo, Enfermagem, quando chegamos ao ministério, 40% das mátriculas que estavam sendo autorizadas eram a distância. Nós suspendemos isso e com certeza essa vai ser uma das áreas que vamos garantir 100%”, afirmou o ministro, em março deste ano.
A repercussão dessa fala, porém, foi um dos fatores que atrasaram a publicação do decreto. Na época, membros do setor privado investiram na narrativa de que o governo queria restringir o acesso à educação aos mais pobres.
A Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) adiou a assinatura do decreto para encontrar melhor forma de comunicar as mudanças, diante de uma crise de popularidade de Lula. Além das declarações do ministro, no fim de abril, o diretor de Regulação de Educação Superior do MEC, Daniel Ximenes, afirmou que “Licenciatura, Engenharia e Saúde, como têm hoje, praticamente 100% EAD, não vai ser mais possível”.