Sempre que a crítica deixa de fazer seu papel desconstruidor, a ideologia cumpre muito bem sua tarefa de falsear a realidade de modo a legitimá-la em suas contradições mais fundamentais.
O próprio discurso de combate à corrupção se faz como um dos maiores exemplos. É evidente: todos são contra a corrupção. Cunha, se perguntado, descorreria sobre os males da corrupção e talvez até daria opiniões para pará-la.
Contudo, é preciso dar nome aos bois. E mais do que isso: saber de que grama estão comendo, e de que pasto. E alem disso – ainda nessa analogia rural – cuidar para que na desordem do galinheiro não se coloque como chefe a própria raposa.
Que a classe política é uma tragédia ninguém duvida – talvez nem os próprios. São fisiológicos, oportunistas e canalhas. Porém, nesse papo de crise moral, não se enxerga que os corruptos são sempre corrompidos. Nesse papo meia boca de atribuir ao Estado uma ilegitimidade – com razão – esquece -se que seu suposto substituto é na verdade seu grande e simbiótico parceiro. E muito mais ilegítimo e antidemocrático que o primeiro.
O próximo capítulo das delações reserva uma provável bomba que se insinua a cair no cenário político. Bomba necessária em seu conteúdo e em seu papel: Antonio Palocci ameaça mostrar que o buraco é mais embaixo, ao delatar membros do sistema financeiro, mostra ao público o conteúdo das entranhas do capitalismo brasileiro e assim dando um novo passo nesse combate, e quem sabe na conscientização popular.
O sistema financeiro não é só o pilar fundamental que motiva e organiza todas as contrareformas do governo golpista, o articulador da condição de periferia dependente do Brasil, ele é membro decisivo, ou no mínimo cúmplice, de toda sistemática corrupção.
Em tempos que os valores envolvidos ultrapassam os 12 dígitos, não existe mais dólar na cueca. Malas de viagens só em pequenos casos como por exemplo os últimos envolvendo Aécio Neves. A regra é outra agora, porque os volumes são cada vez maiores. Estes valores só podem agora ser dinamizados pelo sistema bancário.
Os bancos definitivamente comandam a política no país. Todas as maiores decisões da economia passam invariavelmente pelo poder do monopólio do “mercado” financeiro. Já que essa máfia domina com unhas e dentes o próprio banco central. Com isso não basta apenas evidenciar a podridão política, é preciso deixar claro que a podridão acontece hoje nessa relação promíscua com essa burguesia entreguista.
Aliás, com a Lava Jato corre-se um risco enorme: nesse discurso messiânico de combate à corrupção, estamos diante duma enorme desvalorização da política – como se ela fosse o problema. E, como não existe vácuo nessa dinâmica, sem a crítica necessária, a ideologia traz como solução necessária a “gestão” do mercado. Até porque, o próprio Janot no começo do ano disse em Davos: “A Lava Jato é pro mercado”.
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