Por Felipe Campinas, da Redação
MANAUS – No Amazonas, responsáveis interinos por cartórios só poderão receber salário de até R$ 35 mil e a diferença entre as receitas e despesas das serventias, incluindo a remuneração do responsável provisório, deverá ser devolvida aos cofres públicos. A ordem foi proferida pela CGJ-AM (Corregedoria-Geral de Justiça do Amazonas) na terça-feira (10).
No estado amazonense, a medida afeta 50 interinos que arrecadam até R$ 676 mil por semestre. Com a nova norma, um cartório que, por exemplo, arrecada R$ 200 mil em um mês e tem despesas incluindo o salário do interino, funcionários e obrigações trabalhistas e previdenciárias no montante de R$ 150 mil, terá que devolver os R$ 50 mil de diferença.
O teto salarial dos interinos corresponde a 90,25% do subsídio de um ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), que é de R$ 39,2 mil. Segundo a corregedora-geral, desembargadora Nélia Caminha, o limite obedece decisões do TRF1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) e do STF no sentido de que os substitutos não se equiparam aos titulares, pois não são concursados.
A adoção da medida pela CGJ-AM ocorre 11 anos após o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) criar o teto salarial para aqueles que estão provisoriamente à frente de cartórios em todo o Brasil. Na ocasião, a corregedoria considerou que alguns deles, em todo o Brasil, respondiam há anos pelos cartórios vagos e tinham rendimento mensal superior a R$ 5 milhões.
A mudança foi contestada em janeiro de 2015 pelo Sinoreg-AM (Sindicato dos Notórios e Registradores do Amazonas), na 3ª Vara Federal Cível do Amazonas. Em fevereiro daquele ano, considerando uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) favorável aos interinos, o juiz Ricardo de Sales suspendeu provisoriamente o teto remuneratório no Amazonas.
Em junho de 2015, Sales negou recurso do Estado do Amazonas alegando que se tratava de “mero inconformismo”. Em maio do ano seguinte, ao analisar o mérito da causa, a juíza Marília Gurgel de Paiva e Sales confirmou a decisão de Sales e liberou os interinos do teto dos servidores públicos no percentual de 90,25% sobre o salário dos ministros do STF.
Em maio de 2017, a União e o Estado do Amazonas recorreram ao TRF1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), em Brasília, para derrubar a decisão da 3ª Vara Federal Cível do Amazonas. Em abril deste ano, a Segunda Turma do Tribunal, ao julgar definitivamente a questão, atendeu o recurso e obrigou a aplicação do teto no Amazonas.
O colegiado do TRF1 sustentou que o interino “não atua como delegado do serviço notarial e de registro porque não preenche os requisitos para tanto”, mas como “preposto do Poder Público”. “Nessa condição, deve submeter-se aos limites remuneratórios previstos para os agentes estatais”, diz trecho do acórdão do TRF1.
Antes da decisão do TRF1, em julho de 2018, o então corregedor-geral de Justiça do Amazonas, desembargador Lafayette Vieira Júnior, assinou o Provimento nº 329/2018 que determinou o cumprimento do teto salarial pelos interinos. O ato previa a devolução da diferença que ultrapasse o teto constitucional ao Tribunal de Justiça do Amazonas.
Em decisão proferia na última terça-feira (10), considerando parecer do juiz corregedor-auxiliar da CGJ-AM Igor Leal Campagnolli, a desembargadora Nélia Caminha mandou notificar os juízes da capital e interior para que voltem a cobrar dos responsáveis interinos o valor excedente a 90,25% do subsídio de ministro do STF.
Arrecadação de interinos
A arrecadação dos cartórios ocorre através dos emolumentos, que são taxas cobradas pelos serviços prestados, como escrituras públicas, registros e protesto de títulos, definidas pela CGJ-AM. A tabela de emolumentos mais recente foi publicada pela corregedoria em setembro de 2020 através da Portaria 178/2020 CGJ-AM.
De acordo a CGJ-AM, 50 cartórios do Amazonas são conduzidos por interinos e 47 por titulares. O CNJ só disponibiliza a arrecadação deles no semestre, sem informar o exato período registrado. No mês passado, a CGJ-AM ordenou que os cartórios enviem os dados mensamente a partir de julho, mas os dados do mês passado ainda não estão disponíveis.
Entre os cartórios do Amazonas comandados por interinos com maior arrecadação em seis meses está o 8º Tabelionato de Notas, localizado no Centro de Manaus, que obteve R$ 676.112,28 no período, segundo informações do CNJ.
O Cartório do 1ª Ofício de Manacapuru (a 70 quilômetros de Manaus) é o segundo dirigido por responsável interino com maior arrecadação nos últimos seis meses no Amazonas, com R$ 615.405,32. Na sequência do ranking, localizado no mesmo município, o 2º Tabelionato e Registros Públicos registrou arrecadação de R$ 581.898,95 no semestre.
Com arrecadação de R$ 579.477,76, o 4º Registro Civil das Pessoas Naturais, em Manaus, é o quarto da lista daqueles comandados por interinos. Na sequência, aparece o 8º registro civil de pessoas naturais de Manaus (R$ 536.445,69), o 7º Registro Civil da Pessoas Naturais (R$ 383.937,73) e o Cartório Extrajudicial da 2ª Vara da Comarca de Tabatinga (R$ 374.889,77).
Ainda conforme o CNJ, em Canutama, sul do Amazonas, o Cartório do Judicial e Anexos arrecadou R$ 288.064,49; em Tabatinga, na tríplice fronteira entre o Brasil, o Peru e a Colômbia, o Cartório do 1º Ofício registrou R$ 232.081,42; e em Barreirinha (330 quilômetros de Manaus), o Cartório Extrajudicial teve arrecadação de R$ 165.416,83.
Em julho deste ano, o TJAM e a CGJ-AM iniciou tratativas para revisar a tabela de taxas cobradas por serviços dos cartórios. Um projeto de lei com a atualização deve ser enviado ainda este ano à Assembleia Legislativa do Amazonas. Conforme Caminha, o objetivo é tornar os valores “atrativos à população” e evitar que o cidadão procure o serviço em outro estado.
Cargos vagos
A CGJ-AM informou que, em 2017, o TJAM lançou concurso público para serventias extrajudiciais. A seleção resultou, no primeiro semestre deste ano, na outorga a mais de 50 aprovados para atuar como titulares na capital e interior. Segundo o órgão, a legislação prevê que será necessário outro concurso para preencher as vagas abertas após o concurso de 2017.
A reportagem questionou a Anoreg-AM sobre a medida, mas nenhuma resposta foi enviada até a publicação desta matéria. O ATUAL não conseguiu contato com a Arpen (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado do Amazonas).