MANAUS – Certo dia, nos idos de 2016, uma autoridade do governo do Amazonas recebeu um representante de um país europeu em Manaus e quis saber dele como era o processo eleitoral naquelas terras, sem o uso da famosa urna eletrônica brasileira. O homem explicou que lá não havia mesários controlando os eleitores, que não são obrigados a votar. Que as cédulas de votação ficam dispostas em uma cabine, o eleitor a preenche e deposita na urna.
O representante do Governo do Amazonas, então, fez nova indagação: “Não há o risco de um eleitor votar várias vezes para o mesmo candidato?” O europeu respondeu com outra pergunta: “Quem faria isso?”
Nesta quarta-feira, em São Paulo, a polícia prendeu um bando (seis homens e duas mulheres) que montou um escritório para fraudar o auxílio emergencial, os R$ 600 ou R$ 1.200 pagos pelo governo para socorrer os mais pobres durante a pandemia do novo coronavírus.
Se o representante do país europeu ainda estivesse no Brasil, certamente entenderia o motivo da preocupação da autoridade do governo local. Contando lá fora é difícil alguém acreditar que pessoas no Brasil cheguem a esse nível de gatunagem.
Essa não foi a primeira quadrilha presa por fraudar o auxílio emergencial neste ano e também essa fraude não se restringe às ações de quadrilhas. A gatunagem também é praticada por “pessoas de bem”, como alguns gostam de ser classificados.
O que era para ser uma ajuda a famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica vem sendo acessado por empresários, servidores públicos, profissionais liberais que não se enquadram nos critérios do programa e, principalmente, familiares dessas pessoas.
Esses falsos beneficiários partem do pressuposto de que todos são desonestos, a exceção deles, e que o dinheiro público, se não for usado por eles em oportunidades como essas, será escorrido pelo ralo da corrupção.
Esse comportamento, que não é generalizado, mas é preocupante, coloca o Brasil em situação vexatória no cenário mundial, a ponto de um ministro da Educação do Brasil, que não era brasileiro, no ano passado, chegar a dizer que “o brasileiro viajando é um canibal”.
Ricardo Vélez Rodríguez, colombiano naturalizado brasileiro, disse, em fevereiro de 2019: “O brasileiro viajando é um canibal. Rouba coisas dos hotéis, rouba assentos salva-vidas do avião; ele acha que sai de casa e pode carregar tudo. Esse é o tipo de coisa que tem de ser revertido na escola”. Em outra ocasião, ele disse que “escorregou” ao dizer tais palavras.
A fala de Vélez Rodríguez causou indignação, mas pouca reflexão entre os brasileiros.
Os fatos indicam que ela deveria tirar o sono de toda a nação, que precisa encontrar um caminho para colocar o país em outro patamar de civilidade.