Por Paulo Saldaña, da Folhapress
BRASÍLIA – O CNE (Conselho Nacional de Educação) convocou uma reunião extraordinária para discutir a revogação de um parecer do órgão, de 2010, que trata sobre a definição de um padrão mínimo de qualidade na educação básica. A Justiça tem pressionado o governo federal para colocar em vigor o chamado CAQi (Custo-Aluno Qualidade Inicial).
Ao saber da reunião, marcada para terça-feira (26), entidades e especialistas em educação têm questionado o CNE e o MEC (Ministério da Educação). A Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão também questionou o CNE nesta segunda-feira, 25, sobre o conteúdo da proposta a ser deliberada.
O CAQi busca traduzir, em valores por aluno, o investimento necessário para garantir um padrão mínimo de qualidade na educação básica. Esse padrão leva em conta infraestrutura, materiais pedagógicos e salários dos professores e a desigualdade de oferta pelo país.
Na prática, o mecanismo indica a ampliação do papel da União no financiamento da educação. A União teria que complementar o valor por aluno em localidades que não o atingissem.
O CAQi já deveria estar pronto em junho de 2016, de acordo com o estipulado na lei do PNE (Plano Nacional de Educação). O PNE foi aprovado dois anos antes. Além de constar no PNE, a definição de um padrão mínimo de qualidade já é previsto na Constituição, de 1988. A fixação do dispositivo é de responsabilidade do MEC.
Ainda antes da aprovação do PNE, o parecer do CNE de 2010 trouxe linhas gerais do que deveria ser o padrão mínimo de qualidade. Os governos Lula, Dilma e Temer não homologaram o documento do conselho.
Uma decisão da Justiça Federal do Mato Grosso impôs multa de R$ 100 mil ao MEC caso o governo não defina o dispositivo. A revogação do parecer daria à gestão do presidente Jair Bolsonaro (PSL) mais liberdade na atuação sobre o assunto. A equipe de Bolsonaro já indicou que pretende ampliar os recursos para a educação.
O parecer do CNE de 2010 foi construído em conjunto com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação. A organização questiona a falta de transparência sobre o tema e pede que ele seja retirado da pauta. Segundo o coordenador geral da Campanha, Daniel Cara, a iniciativa mostra o desejo do governo federal de tirar do CNE a prerrogativa normatizadora em relação ao CAQi.
“O Custo-Aluno Qualidade não é só ferramenta de financiamento, mas de controle social também. Permite aos pais controlar a qualidade a partir das condições de oferta, que passa por uma escola com número de alunos adequado por turma, remuneração e carreira do professor, infraestrutura como laboratórios, acesso das escolas à água, luz e tratamento de esgoto”, diz Cara.
Cinco ex-presidentes da Undime (órgão que representa secretários municipais de Educação) assinaram carta cotra a revogação do parecer. Segundo a carta, o dispositivo “altera a lógica do financiamento da educação, saindo do que é distribuído e é insuficiente em termos orçamentários para aquilo que é necessário para o financiamento adequado da educação básica pública de qualidade”.
Críticos ao parecer do CNE dizem que a lista de insumos previstos no documento não necessariamente traduziria melhora efetiva de qualidade. Segundo Maria Helena Guimarães de Castro, que faz parte da composição atual do CNE, caberia somente ao MEC ou ao Congresso definir o assunto.
“O Conselho tem consciência e convicção legal e jurídica de que não é atribuição do CNE definir o custo-aluno, [ao indicar] despesas sem definir de onde vai sair o dinheiro”, diz ela, que foi secretária executiva do MEC no governo Michel Temer. “[A ideia é] revogar o parecer indicando que se trata de atribuição do Ministério e que o conselho não tem competência.”
A concepção do CAQi busca atacar a desigualdade da oferta educacional. Das 5.570 cidades do país, 62% (3.199) têm disponíveis menos de R$ 400 por mês por aluno. O valor investido por aluno no ano varia quase sete vezes no país.
A reportagem procurou o MEC e o CNE, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.