Por Felipe Campinas, do ATUAL
MANAUS – Diferentes decisões de juízes e de desembargadores em processos sobre descontos em conta bancária motivaram o TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas) a abrir um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas para uniformizar o entendimento do Tribunal acerca do tema. Com a abertura desse procedimento, 2.652 processos judiciais foram suspensos.
Os descontos referentes a “encargos financeiros” são feitos diretamente em conta corrente. Na maioria dos casos, são “encargos de mora” decorrentes de extrapolação de limite de “cheque especial”, denominados “Mora Cred Pess” e “Enc Lim Crédito”, debitados na conta em que for implantado o limite de crédito pessoal ou disponibilizado o limite de cheque especial.
Milhares de clientes ajuizaram ações na Justiça contra essas cobranças. Os clientes afirmam que não contrataram nenhum serviço e que, por isso, os descontos são ilegais. Os bancos, no entanto, afirmam que os descontos estão previstos no “Regulamento de Utilização do Limite de Crédito Pessoal Contratado por Meios Eletrônicos”, apresentado ao cliente antes da liberação do crédito.
Em alguns casos, juízes e desembargadores reconheceram que houve dano moral, pois seria necessário ter contrato específico para a cobrança, e condenaram o banco a pagar indenização ao cliente. Em outros casos, os magistrados entenderam o contrário e mandaram os clientes pagarem custas, despesas processuais e honorários advocatícios.
Os desembargadores já decidiram que os encargos podem ser cobrados, pois estão previstos no regulamento de uso do limite. Agora, eles vão decidir se os encargos são serviço, produto ou consequência de inadimplemento, e se o uso do crédito bancário gera presunção de que o consumidor sabia da cobrança dos encargos de mora.
O colegiado também vai decidir se é possível usar outras provas para demonstrar que o consumidor sabia do desconto, e se, não sendo comprovado a ciência do cliente, o banco deve devolver o dinheiro debitado. Vão decidir ainda se existe dano moral ao consumidor caso não seja comprovado que ele sabia dos descontos.
O incidente foi aberto após solicitação do desembargador Cláudio Roessing. Em abril de 2023, ao julgar um recurso contra sentença que negou indenização a um cliente do Bradesco, Roessing reconheceu que havia decisões conflitantes sobre o tema e que era necessário uniformizar o entendimento no Tribunal.
“Identifiquei uma quantidade elevada de processos que discutem a validade dessas cobranças bancárias. (…) Além do quantitativo de processos repetitivos sobre esse tema, também constatei a existência de decisões conflitantes entre os Desembargadores de competência cível deste Tribunal, às vezes até mesmo dentro da mesma Câmara Isolada”, disse Roessing.
A reportagem tentou ouvir o Bradesco sobre tema, mas a assessoria do banco informou que “o Bradesco não comenta casos sub judice“.
Em agosto, por unanimidade de votos, os desembargadores decidiram instaurar o incidente de resolução de demandas repetitivas, conforme o voto do relator, desembargador Cezar Luiz Bandiera. Com essa decisão, 2.652 processos sobre o tema foram suspensos, segundo o Nugep (Núcleo de Gerenciamento de Precedentes e Ações Coletivas) do TJAM.
“A finalidade desse instrumento (Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas) é uniformizar a jurisprudência do Tribunal acerca do tema, a fim de que o mesmo entendimento seja aplicado para todas as ações relacionadas à mesma questão, resguardando sobretudo os princípios da isonomia e da segurança jurídica”, informou o TJAM, em nota enviada ao ATUAL.
Veja as questões que estão sendo submetidas a julgamento no IRDR 7 do TJAM (processo n.º 0004464-79.2023.8.04.00000) – Desconto em conta corrente posterior à celebração de mútuo bancário pelo próprio consumidor:
- a) A natureza jurídica do desconto de encargos, na conta corrente do consumidor, oriundos da utilização de crédito fornecido por instituição bancária na mesma conta é de serviço, produto ou mera consequência de inadimplemento?
- b) A utilização de serviços de crédito bancário gera presunção juris tantum (presunção relativa) de ciência prévia do consumidor em relação a eventual cobrança de encargos de mora?
- c) Podem ser admitidos outros meios de prova além do instrumento contratual para demonstrar o conhecimento do consumidor a respeito do desconto?
- d) Não sendo comprovado que o consumidor estava ciente da possibilidade de incidência dos encargos, é devida a repetição do indébito?
- e) No caso do item anterior, existe dano moral in re ipsa (dano presumido) ao consumidor?