
Por Thiago Gonçalves, do ATUAL
MANAUS – Iniciativas políticas para obrigar condenados a pagar pelo custo do crime causado ao poder público são controversas. Juristas afirmam que a legislação atual inclui esse tipo de punição em diversos crimes. Nova lei é, portanto, desnecessária.
O debate surgiu a partir de proposta do governador Ratinho Júnior, do Paraná, que enviou à Assembleia Legislativa projeto em que institui a cobrança dos custos da investigação criminal de condenados com sentença transitada em julgado.
No Legislativo do país há projetos que obrigam agressores de mulheres a custearem o tratamento das vítimas e outros que impõe indenizações obrigatórias por homicídios.
Para o advogado e professor de Direito Constitucional Anderson Fonseca, a Constituição estabelece a reparação de crimes por parte dos infratores como a perda de bens em crimes tributários, apreensão de recursos do tráfico de drogas e pagamento de valores nos Juizados Especiais Criminais. “A reparação dos danos ocasionados pelos infratores é, em muitos casos, uma consequência da pena aplicada”, afirma.
A presidente da Abracrim-AM (Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas no Amazonas), Catharina Estrella Ballut, alerta que o projeto de Ratinho Júnior não estabelece uma penalidade criminal, mas sim cria uma taxa, ou seja, um tributo. “É uma modalidade de tributo com natureza de restituição, cujo fato gerador seria a condenação criminal. Isso traz implicações do direito tributário, não do penal”, explica.
Segundo ela, por envolver tributo novo o projeto exigiria análise mais profunda por especialistas da área tributária para aferir sua constitucionalidade.
No entendimento do advogado Kevin Teles, a proposta é inconstitucional. “A segurança é um dever do Estado e deve ser oferecida de forma gratuita. Cobrar valores após o trânsito em julgado viola princípios como a gratuidade dos serviços essenciais, a isonomia e o acesso à justiça”, afirma.

Previsão legal e viabilidade jurídica
Anderson Fonseca considera que há respaldo legal para a reparação de danos, previsto em diversas normas vigentes. Ele lembra que o Código de Processo Penal permite a ação ex delicto para vítimas buscarem indenização.
Catharina Estrella, no entanto, ressalta que o projeto não tem natureza penal. “Essa taxa não está prevista na legislação penal. O Estado quer criar um tributo vinculado à sentença condenatória. Isso não é pena nem multa penal. O projeto cria algo novo e a legitimidade dessa cobrança dependerá de lei específica”, explica.
Kevin Teles concorda que não há norma legal que permita esse tipo de cobrança. “Até esse projeto, não havia sequer a possibilidade de se pensar sobre isso no ordenamento jurídico atual”.
Eficácia prática
Na avaliação de Anderson Fonseca, esse tipo de medida pode ter efeito inibitório sobre o potencial delitivo. “O Ministério da Justiça disponibiliza dados via Sinesp que podem avaliar a eficácia dessas cobranças”, diz.
Catharina Estrella é cética quanto ao impacto real da proposta. “A maior parte da população carcerária é assistida pela Defensoria Pública, ou seja, tem direito à justiça gratuita. O próprio projeto prevê isenção nesses casos. Então não haveria grande arrecadação. É uma medida mais simbólica”, avalia.
Kevin Teles acredita que a medida só beneficiaria os cofres do governo, “mas sem retorno prático para a sociedade nem para a pessoa condenada”.
Prisão por dívida?
A possibilidade de prisão por inadimplemento da taxa também foi analisada. Anderson Fonseca cita que a Constituição e tratados internacionais vedam prisão por dívidas, salvo em casos de pensão alimentícia. “O não pagamento pode gerar outras consequências legais, mas jamais a prisão”.
Catharina Estrella reforça: “Não seria cabível prisão por não pagamento dessa taxa, que nem mesmo é uma penalidade penal. O devedor de alimentos responde em outro tipo de processo, na esfera civil”.
Para Kevin Teles, aplicar prisão por inadimplência neste caso geraria uma “dualidade penal”, podendo inclusive ensejar ações contra o Estado. “Seria inconstitucional”.
Contraponto
Para o doutor em História Social e professor da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), Luiz Antonio Nascimento de Souza, a proposta é incoerente com a lógica do financiamento dos serviços públicos. “A polícia já é financiada pelos impostos pagos pela população, inclusive pelos próprios condenados antes mesmo da condenação. Cobrar por um serviço já pago não tem sentido”, afirma.
Ele também vê a proposta como parte de um discurso político da extrema direita. “Isso lembra regimes autoritários em que se cobrava até pela bala usada na execução. É uma proposta antirrepublicana. Serve como cortina de fumaça para esconder a ineficácia do governo no combate à criminalidade”, critica.
Nascimento também questiona a viabilidade de cobrança: “A maioria dos condenados é pobre. Como cobrar de alguém que já foi condenado porque vivia à margem da sociedade? Vai expropriar a casa da mãe? Transferir a dívida aos filhos?”
Proposta
Ratinho Júnior, encaminhou à Assembleia Legislativa o Projeto de Lei nº 416/2025 que institui a chamada TAI (Taxa de Atos de Inquérito). A proposta prevê que pessoas condenadas com sentença transitada em julgado ou que celebrem acordo penal deverão arcar com os custos gerados pela investigação criminal, como perícias, laudos e diligências. A cobrança só será feita após o fim do processo e será calculada com base na UPF/PR (Unidade Padrão Fiscal do Paraná).
Conforme o governador, o objetivo do projeto é fortalecer a Polícia Civil permitindo o reinvestimento desses recursos em tecnologia, estrutura e capacitação de agentes.
A taxa será registrada pelo cartório policial e sua arrecadação terá destinação exclusiva, sem possibilidade de uso para outras finalidades. Estão isentos da TAI os beneficiários da justiça gratuita, investigados em procedimentos de menor potencial ofensivo, como TCOs (Termos Circunstanciados de Ocorrência), e casos que não resultarem em condenação.
O projeto também prevê multa por atraso de até 20% do valor devido, com juros mensais de 1%.