Por Marcelo Rocha e Katna Baran, da Folhapress
BRASÍLIA – Após a saída do procurador Deltan Dallagnol da coordenação da Lava Jato no Paraná, o procurador-geral da República, Augusto Aras, avalia prorrogar a força-tarefa em Curitiba por um prazo mais curto e com número menor de integrantes.
Deltan anunciou nessa terça-feira, 1º, que deixa o grupo de investigadores. Ele continuará no MPF (Ministério Público Federal), mas em outros casos. Em vídeo, divulgado nas redes sociais, o procurador afirmou que sai da força-tarefa por questões familiares. Segundo ele, o desligamento se deve a um problema de saúde de sua filha de um ano de idade.
Aras, por sua vez, prepara nova ofensiva contra a Lava Jato. Em atuação desde 2014, a operação poderá sofrer outro revés.
Uma das soluções avaliadas pelo chefe do MPF (Ministério Público Federal) envolve a designação apenas de procuradores da República, opção que elimina a necessidade do aval do CSMPF (Conselho Superior do MPF), órgão máximo deliberativo na estrutura da instituição para a designação de integrantes do grupo.
Na atual configuração da Lava Jato atuam procuradores da República e procuradores regionais da República, o que exige na legislação interna o referendo do Conselho Superior. Hoje há 14 investigadores – o número com uma eventual redução não foi definido.
Crítico da Lava Jato, Aras já travou embates no colegiado com outros integrantes por causa de posicionamento divergente que tem sobre o trabalho dos procuradores em Curitiba. Ele tem sido pressionado por integrantes do conselho a prorrogar a força-tarefa.
Também nesta terça-feira, a subprocuradora-geral da República Maria Caetana Cintra Santos, uma das integrantes do conselho superior, decidiu de forma liminar (provisória) prorrogar a Lava Jato por um ano.
Caetana é relatora de um pedido de prorrogação e propôs o debate do assunto no encontro desta terça do colegiado. Como não houve tempo, ela tomou a decisão. Além de provisória, avaliam integrantes da PGR, ela não vincula Aras a segui-la.
O procurador-geral ainda não se pronunciou sobre a decisão de Caetana. Desde a criação da força-tarefa, a indicação de nomes para atuar na investigação foi referendada pelo colegiado.
A força-tarefa da Lava Jato no Paraná já teve a estrutura prorrogada por sete vezes. O prazo de encerramento das atividades do grupo expira no próximo dia 10.
No cargo, Deltan enfrentava um processo de desgaste e se tornou alvo de ações internas no MPF, além de estar envolvido em um embate com Aras. “Depois de anos de dedicação intensa à Lava Jato, eu acredito que agora é hora de me dedicar de modo especial à minha família (…). Essa é uma decisão difícil, mas estou muito seguro de que é a decisão certa e a que eu quero tomar como pai”, afirmou Deltan em um vídeo na internet.
Deltan teve sua atuação na Lava Jato posta em xeque após a divulgação em 2019 de diálogos e documentos obtidos pelo The Intercept Brasil. Além de ver contestada sua relação com o então juiz Sergio Moro, também enfrentou questionamentos por causa do plano de negócios de eventos e palestras que montou para lucrar com a fama e contatos obtidos durante as investigações da Lava Jato.
Nos últimos meses, Deltan enfrentou o avanço de ações contra ele no Ministério Público e se envolveu em conflito com Aras sobre o sigilo dos dados sob investigação na força-tarefa em Curitiba. Ele aguardava processos que poderiam afastá-lo da Lava Jato.
Nesta terça, sem citar nomes, Deltan pediu em vídeo que a sociedade continue apoiando a Lava Jato diante da fase decisiva envolvendo os trabalhos do grupo. “A operação vai continuar fazendo seu trabalho, vai continuar firme, mas decisões que estão sendo tomadas e que serão tomadas em Brasília afetarão os seus trabalhos”, disse.
Ao final do vídeo, Deltan afirmou ainda que vai continuar lutando contra a corrupção “como procurador e cidadão”. “Não vou desistir, não vou deixar de sonhar com um país menos corrupto, com um país mais justo e melhor”.
Em nota, o MPF do Paraná elogiou o trabalho do colega. “Por todo esse período, enquanto coordenador dos trabalhos, Deltan desempenhou com retidão, denodo, esmero e abnegação suas funções, reunindo raras qualidades técnicas e pessoais”, diz a nota do órgão.
“Parabenizo o procurador Deltan Dallagnol pela dedicação à frente da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, trabalho que alcançou resultados sem paralelo no combate à corrupção no país. Apesar de sua saída por motivos pessoais, espero que o trabalho da FT (força-tarefa) possa prosseguir”, escreveu Moro, no Twitter.
O ex-procurador-geral Rodrigo Janot tratou a saída de Deltan como resultado de uma ação contra a Lava Jato. “Seguimos o caminho pouco virtuoso do crepúsculo da Operação Mãos Limpas! Lá, como aqui, o sistema contra-atacou! Resiliência tem de ser a motivação! Dias melhores virão das trevas! Fiat lux!”, afirmou, com menção à ação italiana frequentemente tida como inspiração da força-tarefa brasileira.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu a decisão de Deltan e a alternância de poder no cargo. “Se a decisão foi pessoal, é melhor para que não fique polêmica em relação à saída dele”, disse.
“Não é possível que, no meio de tantos procuradores, não tenham outros procuradores que têm a qualidade dele, que têm a dedicação que ele teve à frente de uma área que foi tão importante para o Brasil nos últimos anos”. No mês passado, o ministro Celso de Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal) suspendeu o julgamento de Deltan no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público).
Deltan seria julgado em processos que o acusavam de parcialidade na condução da Operação Lava Jato, além de tentativas de interferência no processo político brasileiro. Celso havia concordado com a alegação do procurador de que seu direito de defesa foi cerceado, bem como seu direito à liberdade de expressão e crítica. Semanas depois, porém, a AGU (Advocacia-Geral da União) entrou com recurso no STF para que a corte reveja a decisão.
Outro processo no entanto, movido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foi arquivado. O petista acusava Deltan e os procuradores Roberson Pozzobon e Júlio Noronha de abuso de poder e de expor o ex-presidente e a ex-primeira-dama Marisa Letícia a constrangimento público, no episódio do PowerPoint que apontava Lula como líder de um esquema de corrupção na Petrobras.