Por João Perassolo, da Folhapress
SÃO PAULO – Na madrugada do dia 12 de maio de 2018, um sábado, policiais com metralhadoras invadiram a casa noturna Bassiani durante uma festa, interromperam a balada e revistaram os frequentadores. Sessenta pessoas foram detidas, além de dois (dos cinco) sócios do clube, Tato Getia e Zviad Gelbakhiani.
Em Tbilisi, capital da Geórgia, a casa noturna é conhecida por colocar a ex-república soviética na rota da música eletrônica internacional e também pelo ativismo social.
Seus fundadores estão envolvidos na luta por leis mais moderadas em relação a drogas, além de oferecerem uma pista de dança segura para a comunidade LGBT –a primeira parada gay da Geórgia, contestada por grupos conservadores, está prevista para este domingo, 23.
A informação de que o clube havia sido invadido se espalhou rapidamente pelas redes sociais e por sites de música eletrônica. Horas mais tarde, na manhã de sábado, milhares de frequentadores do clube se reuniram em frente ao Parlamento em Tbilisi “armados” com caixas de som.
Eles então colocaram música techno no último volume e dançaram o fim de semana todo em protesto à invasão.
“Foi uma rave contra o Parlamento”, diz Tato Getia, um dos fundadores do Bassiani, à Folha de S.Paulo. O empresário de 29 anos esteve em São Paulo recentemente para a promoção de um evento.
A invasão ao clube foi motivada por uma série de óbitos misteriosos em Tbilisi nas semanas anteriores, atribuídos ao consumo de narcóticos.
Getia conta que as autoridades conectaram as mortes à sua casa noturna. “Eles precisavam justificar os óbitos, mas não pegaram nenhum traficante. Eu estaria na prisão se tivesse drogas no clube.”
Os fundadores do clube têm elos com a ONG White Noise, que advoga por leis mais moderadas em relação às drogas –a Geórgia é famosa pela política de tolerância zero.
Apesar de a maconha ser legalizada para consumo pessoal, possuir pequenas quantidades de substâncias sintéticas ilícitas pode levar a uma pena de quatro anos de prisão.
É prática da polícia parar aleatoriamente indivíduos nas ruas e forçá-los a passarem por testes de urina para comprovar a presença de drogas. Quem se recusar têm de ficar 12 horas sob custódia.
O resultado de leis consideradas “abusivas” pela ONG Human Rights Watch se traduz em números. Dos cerca de 9.500 presos do país, 34% estão na cadeia por contravenções relativas à posse ou ao consumo de drogas, segundo um estudo recente da Universidade de Lausanne (Suíça).
O Bassiani é também protagonista na luta pelos direitos LGBT. Junto ao clube funciona uma segunda pista de dança, chamada de Horoom, que abriga mensalmente a mais conhecida festa gay do país.
Para entrar na noite de house music, os cerca de mil frequentadores passam por um processo de seleção: precisam informar suas redes sociais ao comprarem o ingresso online.
Caso optem por aparecer apenas na hora da festa, serão selecionados pelo segurança. Getia diz isso é necessário para proteção dos “clubbers”.
O país só descriminalizou relações homossexuais em 2000, mas ainda assim presenciou, nos anos seguintes, episódios de violência física entre membros da Igreja Ortodoxa e ativistas conservadores, de um lado, e a comunidade LGBT, do outro.
Em 2013, minorias sexuais foram atacadas por padres e grupos armados com porretes enquanto marchavam pelas ruas da capital para marcar o dia internacional de luta contra a homofobia (17 de maio). Os clérigos haviam pedido que as autoridades cancelassem a caminhada, alegando que a homossexualidade se opõe a valores cristãos tradicionais.
Neste ano, uma cena semelhante se repetiu. Confrontos opuseram simpatizantes LGBT a grupos conservadores liderados pelo empresário Levan Vasadze –que tenta impedir a realização da primeira parada gay do país.
Vasadze conseguiu uma vitória parcial. A defensora pública Nino Lomjaria anunciou que o governo não teria como garantir a segurança dos participantes da marcha. Os organizadores dizem que o evento vai acontecer mesmo assim.
“Esses grupos de extrema direita defendem uma identidade imaginária do povo da Geórgia, e eles têm uma base porque o país é conservador”, diz Getia.
Para ele, o conservadorismo da nação do Cáucaso advém dos anos sob controle russo. “Perdemos as décadas de 1960,1970 e 1980 porque vivíamos dentro dentro de uma ‘caixa fechada’, sob domínio da União Soviética.”
Apesar do histórico de repressão, Getia tem certeza de que a vida LGBT no país vem melhorando.
“Há seis anos não se viam casais gays de mãos dadas na rua, mas agora sim. E além da Horoom surgiram outras festas. Não é um conto de fadas, mas é uma boa evolução.”