Por Dnielle Brant e Ranier Dragon, da Folhapress
BRASÍLIA – A Câmara dos Deputados aprovou na noite desta quarta-feira (30) a PEC (proposta de emenda à Constituição) que concede uma ampla anistia a partidos que nas últimas eleições descumpriram as regras de direcionamento mínimo de verbas públicas para mulheres e negros.
No primeiro turno, o texto-base recebeu 402 favoráveis e 44 contrários -era necessário o apoio de pelo menos 308 deputados. No segundo turno, o placar foi de 400 a 38. Agora, o texto segue para promulgação -por se tratar de PEC, a proposta entra em vigor imediatamente, não cabendo sanção ou veto presidencial.
O texto foi aprovado em julho do ano passado pelo Senado. Na Câmara, a tramitação foi rápida. Depois da aprovação na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) em dezembro, o presidente Arthur Lira (PP-AL) criou, no mesmo mês, comissão especial para analisar o mérito. Foram sete reuniões no colegiado antes de a PEC seguir para o plenário, na semana passada.
O texto chancelado pelo plenário foi o mesmo aprovado na comissão especial, quando foi suprimido um trecho aprovado no Senado e foram feitas duas emendas de redação.
A PEC livra de punição partidos que não aplicaram ao menos 5% do fundo partidário em programas de incentivo às mulheres ou que não direcionaram o dinheiro do fundo eleitoral de forma proporcional às candidaturas de negros e de mulheres.
Segundo o texto aprovado, não serão aplicadas sanções de qualquer natureza aos partidos que descumpriram as normas nas eleições passadas, inclusive devolução de recursos, multa ou suspensão do fundo partidário.
Conforme o jornal Folha de S.Paulo mostrou, em 2020 a maioria dos partidos descumpriu a determinação da Justiça de dar tratamento igualitário (ou proporcional) a homens e mulheres, negros e brancos, na distribuição de suas verbas e do tempo de propaganda eleitoral.
Levantamento com base na prestação de contas parcial dos candidatos entregue à Justiça Eleitoral mostrava que, apesar de pretos e pardos somarem 50% do total de candidatos, eles haviam sido destinatários de cerca de 40% da verba dos fundos eleitoral e partidário. Os autodeclarados brancos reuniam 60% do dinheiro, apesar de representarem 48% dos candidatos.
Apesar de a legislação determinar desde 2018 distribuição dos recursos às mulheres na proporção das candidaturas lançadas, a maior parte das siglas também não havia cumprido essa regra até a prestação de contas parcial de 2020 -na média, homens eram beneficiários de 73% do dinheiro.
A relatora do texto, Margarete Coelho (PP-PI), defendeu a anistia. “Lembro que não se está perdoando. Não é que esses valores vão ser devolvidos e não vão ser gastos com mulheres. Ao contrário, eles vão ser gastos nas próximas candidaturas de mulheres”, disse.
A PEC obriga os partidos a aplicarem pelo menos 5% dos recursos do fundo partidário na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres.
Um artigo adicionado em 2015 à lei dos partidos políticos já obriga as legendas a repassar o mínimo de 5% para incentivar a presença feminina na política. A legislação, porém, também prevê que esses recursos possam ser reservados para as eleições, o que levou partidos a não gastarem o percentual para promover a diversidade de gênero.
Levantamento feito pela Folha de S.Paulo em 2018 revelou que os partidos destinavam só 3,5% do fundo público com mulheres.
A PEC também coloca na Constituição a obrigação de que partidos direcionem recursos proporcionais às mulheres que lançarem, sendo o percentual mínimo de 30% -nesse ponto, a relatora mudou a redação do texto que veio do Senado e que estabelecia a distribuição desse percentual, independentemente do número de candidatas.
O percentual de 30% já está previsto na legislação comum e na jurisprudência do STF (Supremo Tribunal Federal). Com a PEC, as regras são incluídas na Constituição.
Margarete Coelho disse que, quando a PEC chegou à Câmara, “tinha uma redação complicada, uma redação que poderia, em alguns momentos, dar azo a uma interpretação enviesada.”
“O que nós cuidamos de fazer, na comissão, foi trabalhar através de emendas de redação e de emendas de supressão para preservar todo o teor que foi previsto para ela no Senado, mas cuidando de tampar esses espaços vagos que poderiam ser interpretados em desfavor das mulheres”, afirmou.
A relatora suprimiu dispositivo do Senado que previa a acumulação desses 5% em diferentes anos, permitindo a utilização futura em campanhas eleitorais das candidatas. No entanto, indicou que o recurso poderá ser gasto em pré-campanha das candidatas, conforme os limites legais.
Na avaliação da relatora, a PEC “cumpre o seu objetivo, que é o de estimular a candidatura, a participação das mulheres na política. Nós estamos aqui fazendo a defesa desta PEC.”
Apesar de o Congresso ter discutido esse tema no ano passado, a PEC não inclui cota de cadeiras para mulheres ou negros nos legislativos. Prevaleceu a posição dos partidos tradicionais e da maioria de seus caciques de manter as regras atuais, já que o estabelecimento de cotas de cadeiras resultaria, necessariamente, na perda de vagas para atuais detentores de mandato.
Apesar de ter crescido em relação à eleição anterior, o número de mulheres eleitas para a Câmara dos Deputados em 2018 representou apenas 15% do total das 513 cadeiras.
A bancada feminina, até então composta por 53 parlamentares, foi para 77 integrantes. Antes, o percentual era de 10%.
Embora ainda distante da paridade num país em que mais de 51% da população é mulher, o percentual foi o maior já alcançado por mulheres na Casa. Em 1998, apenas 29 candidatas foram eleitas, o equivalente a 6% das vagas.
O índice chegou a dois dígitos somente em 2014, quando foram eleitas 51 parlamentares.
Apesar do aumento, as campanhas de mulheres tiveram pouco sucesso pelo país. De 2.769 candidatas ao cargo de deputada federal em 2018, apenas 3% foram bem-sucedidas.