Nesta semana, foi sancionada a lei que prevê um novo crime, passando a denominar a conduta delituosa com o nomen iuris de “crime de intimidação sistemática”, mais conhecida por bullying e cyberbullying, que busca coibir práticas as quais envolvem constrangimento físico ou psicológico, tanto no ambiente físico quanto virtual, e classificando-o também como hediondos os atos praticados contra crianças e adolescentes, como pornografia infantil, incentivo à automutilação e ao suicídio.
Não há como olvidar a importância que a prevenção e a repressão a tais comportamentos antissociais representam, sendo relevante a atualização legal que acompanha as alterações dinâmicas da sociedade. Mas, apesar de uma tentativa válida, a lei não é específica o suficiente em diversos pontos, gerando assim uma sobreposição de seus elementos com os crimes de stalking, ameaças e crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, todos também previsto no Código Penal.
Além disso, o endurecimento das regras pode não ser tão efetivo quanto o esperado, pois é fundamental um trabalho de conscientização acerca do tema, uma vez que nossa sociedade trata como piada o assunto bullying e suas consequência, como por exemplo, a depressão.
Destaca-se ainda a péssima técnica legislativa aplicada ao texto, dentre os quais inúmeros pleonasmos jurídicos empregados, tais como “intimidar… por meio de intimidação”; “sistematicamente…. e repetitivo” e o mais indecoroso: “de modo intencional”, quando a própria lei trata de um crime doloso por natureza.
O crime de intimidação sistemática apresenta duas modalidades. A modalidade presencial – o bullying – está prevista no caput do artigo 146-A, a qual apresenta a punição apenas com pena de multa e não há pena privativa de liberdade, fazendo do tipo penal um “crime simbólico”, pois considerando a natureza branda da pena e a possibilidade do destinatário da norma ser criança ou adolescente, o efeito prático da pena será limitado, gerando apenas estigmatização destes menores em face das sanções jurídicas. A outra modalidade é a virtual – cyberbullying –, presente no parágrafo único do mesmo artigo, que estipula pena de dois a quatro anos e multa, ou seja, uma pena exagerada, típica de parlamentares carecedores de técnicas para elaboração legislativa.
Em suma, temos o crime presencial de bullying cominando pena de multa e uma outra modalidade deste mesmo crime – cyberbullying – com pena privativa de liberdade, criando uma total desproporcionalidade, uma vez que o primeiro tipo admite inclusive a forma de violência física.
Se a intenção é combater o bullying, qual a lógica em deixar o crime presencial, que é a forma mais comum, sem pena privativa de liberdade e, na forma virtual, com uma pena maior que a de crimes como o furto simples e o crime de receptação?
Os respectivos crimes classificam-se como crimes penais abertos, ou seja, permitem que várias condutas sejam neles enquadradas, sinalizando para a sociedade que comportamentos intimidatórios reiterados ou ações verbais, morais, sexuais e sociais, associados às mais diversas formas de violência física ou psicológicas, são absolutamente inadmissíveis.
Desta forma, em tempos de corrupção da inteligência jurídica, resta a indagação: o crime de intimidação sistemática virtual foi criado para punir praticantes de bullying ou para enquadrar quem faz críticas reiteradas a determinadas pessoas no ambiente virtual?
Diante de tal análise, percebe-se que a nova lei carece de técnica legislativa e proporcionalidade, além do mais criminalização e imposição de pena não é a solução mais criativa, posto que o punitivismo penal jamais trouxe avanços sociais relevantes. Desse modo, somente a promoção de políticas públicas voltadas à conscientização e ao amplo desenvolvimento educacional e cultural serão ferramentas eficientes e capazes de estabelecer a proteção adequada às nossas crianças e adolescentes.
Sérgio Augusto Costa é Advogado, especialista em Direito Penal, Processo Penal e Eleitoral.
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