Por Vinicius Sassine, da Folhapress
MANAUS – Quatro meses após recomendação do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), a empresa responsável pela usina hidrelétrica de Belo Monte apresentou uma proposta de reparação em dinheiro a pescadores do rio Xingu que ficaram sem peixes para pescar desde o início do empreendimento.
A apresentação da proposta pela Norte Energia, responsável pela operação de Belo Monte, representa uma mudança de rumo da própria empresa, que havia divergido da recomendação do Ibama e sugerido uma solução distinta do que orientou a área técnica do órgão ambiental.
O Ibama analisa se a Norte Energia cumpre as condições estabelecidas para a emissão da licença de operação da usina no Pará. O órgão federal já concluiu que condições foram desrespeitadas, como a adoção de medidas de mitigação dos efeitos do represamento, da formação de reservatórios e do controle da vazão de água na vida dos pescadores.
Em razão das falhas na mitigação por dois anos e dois meses, a Norte Energia deve promover reparação em dinheiro aos pescadores, concluiu o Ibama.
A recomendação deve ser atendida para que a licença de operação seja renovada. Belo Monte funciona, desde 25 de novembro de 2021, com uma licença com prazo de validade vencido. O empreendimento diz que a licença segue com validade legal, até eventual renovação. No fim de outubro, a empresa responsável pela usina apresentou uma proposta de reparação, ainda que não tenha citado valores.
Pela proposta, aportes em dinheiro serão feitos a 1.976 pescadores, em duas parcelas. Uma será depositada logo após o aceite do trabalhador e a tramitação dos documentos. A segunda, em 60 dias. A Norte Energia chama os aportes de verba de reparação, em alinhamento ao que recomendou o Ibama.
À verba de reparação se soma o financiamento de projetos produtivos, conforme o documento da Norte Energia que descreve a proposta. Pescadores que manifestarem interesse no desenvolvimento de projetos de geração de renda receberão duas parcelas anuais para custeio dessas iniciativas, que receberão assistência técnica por três anos. A primeira proposta da Norte Energia, após a manifestação do Ibama sobre a necessidade de reparar os pescadores, era bem distinta.
A empresa havia proposto o pagamento de três parcelas anuais para desenvolvimento de projetos de geração de renda, sem verba de reparação. Em nota, a Norte Energia, que tem na composição acionária Eletrobras, Petros, Funcef, Neoenergia, Vale, Sinobras, Light, Cemig e J. Malucelli Energia, afirmou que “permanece em tratativas com o Ibama e oportunamente apresentará a proposta à categoria de pescadores”.
Reportagem publicada pela Folha de S.Paulo em 8 de outubro mostrou a situação de penúria de pescadores da região da Volta Grande do Xingu impactados por Belo Monte, seis anos após a usina começar a operar e três anos depois do início do funcionamento de todas as suas unidades geradoras.
Não há mais reprodução de peixes, diante de um controle artificial da vazão – e de uma liberação de água insuficiente.
O hidrograma adotado – a vazão de água liberada a partir do represamento para o funcionamento da usina – é insuficiente para a pesca como subsistência, e os pescadores não se adaptaram a outras atividades, como a plantação de cacau ou a criação de peixe em tanques.
O mesmo quadro é descrito no parecer técnico do Ibama de junho. “A pesca local, em qualquer das modalidades, vem passando por um processo de degradação”, afirmam os técnicos do Ibama no documento. “Esse fenômeno vem erodindo a capacidade dos pescadores de gerar rendimentos econômicos satisfatórios através de sua atividade, bem como de obter pescado como fonte principal de proteína animal na mesa de suas famílias”.
Belo Monte teve os primeiros estudos de viabilidade elaborados na ditadura militar, na década de 1970. O governo Lula (PT) viabilizou as primeiras licenças, e as obras se deram no governo Dilma Rousseff (PT). No primeiro ano do mandato, o governo Jair Bolsonaro (PL) concluiu as unidades geradoras e inaugurou o conjunto completo.
Durante a campanha, Lula disse que faria Belo Monte de novo e que só um terço do projeto original foi posto em prática na gestão petista, o que reduziu os impactos. No último dia 30, em segundo turno, ele foi eleito presidente da República.
A proposta feita pela Norte Energia para reparar os pescadores ainda não tem valores e contempla menos da metade da quantidade de pescadores do Xingu impactados pela usina, levando em conta a estimativa de integrantes do MPF (Ministério Público Federal) em Altamira (PA). Por essa estimativa, são mais de 4.000 pescadores.
Além disso, conforme integrantes do MPF, a proposta da empresa tem falhas, como a exigência de carteira ativa de pescadores, sendo que muitos desistiram da atividade em razão da insuficiência de peixes nos trechos do rio alterados por Belo Monte.
Conforme o documento da Norte Energia, os atendimentos aos pescadores começam na segunda quinzena de novembro. Os primeiros pagamentos estão previstos para a primeira quinzena de dezembro, e devem prosseguir até o fim do primeiro semestre de 2023, segundo a proposta apresentada.
A Norte Energia afirma que a alternância de vazões de água para a Volta Grande do Xingu simula o pulso natural do rio e que as quantidades de água foram objeto de estudo e previsão no licenciamento ambiental.
A empresa diz que “cumpre rigorosamente os compromissos estabelecidos no âmbito da concessão e do licenciamento ambiental”. Relatórios periódicos enviados ao Ibama mostram isso, segundo a Norte Energia.
Ainda conforme a empresa, a taxa de consumo de peixe pelos ribeirinhos está acima das médias nacional e mundial, e um incremento de renda levou a uma elevação das famílias para a linha acima da pobreza. “A Norte Energia promoveu assistência técnica a projetos de piscicultura, fortalecimento da pesca, lavoura de cacau, extrativismo vegetal”, diz.