A cidade de Manaus completou, no último dia 24 de outubro, 352 anos de existência. Muitas homenagens à cidade, seus encantos e história. Mas o povo, os quase 2,2 milhões de habitantes, são chamados para pensar, discutir, construir o futuro dessa cidade?
Manaus é a 7ª maior cidade do Brasil e a maior da Amazônia. Cresceu desordenada e de forma excludente. A ZFM atraiu dezenas de milhares de migrantes, do interior, do exterior, do Brasil.
Hoje, a grande periferia mostra o descaso de políticas públicas. Para muitos, é negado o básico de um centro urbano: moradia, saneamento, transporte, saúde e educação básica de qualidade.
O Portal Amazonas Atual, em 19 de maio de 2020, divulgava estudo do IBGE que demonstrava que dos 653.218 domicílios existentes em Manaus, mais da metade (53,3%) estão em aglomerados subnormais, representados pelas favelas, invasões, palafitas e loteamentos irregulares.
Diante desse dado, o ex-vereador e deputado federal Francisco Praciano diz que ‘caindo na real, somos majoritariamente favelados. Homenagear o Teatro, o Mercado, a Ponte dos Ingleses como se fossem a cidade é fácil, mas é uma abstração. Quero ver é homenagear a cidade real. Afinal, as favelas fazem parte da Manaus que homenageamos’.
E ele tem razão. Lembrar da cidade de Manaus é lembrar dos prédios históricos, como o Teatro Amazonas e as grandes obras do século passado ou mais. Porém, é a lembrança também da exploração nos seringais, do fausto, do desperdício de poucos, às custas da manutenção da miséria e da pobreza na capital e no interior, realidade que perdura até os dias atuais.
O sociólogo Lúcio Carril diz que “Manaus poderia ser melhor, muito melhor e mais bela, se não fosse a existência de uma elite mesquinha, que vive do sangue de um povo que pena para sobreviver”. No âmbito político, há um revezamento dos mesmos grupos políticos que não pensam a cidade a partir da realidade e necessidades da população.
Por mais de 50 anos, a economia da cidade depende da política de incentivos fiscais para atração de uma indústria fora do contexto amazônico. Bom para arrecadação pública, bom para pagar as contas dos governos. Mas poderia enveredar para uma vocação natural: o turismo. A cidade do verde, das águas, da diversidade indígena, das florestas, do meio ambiente, da fauna e flora única. Sim, é possível.
Porém, Manaus cresceu de costas para o rio. E um dos cartões postais da cidade, que é o Encontro das Águas, entre os rios Negro e Solimões, há dez anos aguarda pela homologação do seu tombamento. Assunto que será tema de Audiência Pública que realizaremos em breve na Câmara Federal, uma vez que envolve interesses do setor empresarial para a construção de um porto privado bem em frente a esse local. E motivo de grande preocupação do Movimento SOS Encontro das Águas, por conta da movimentação de cargueiros, desfigurando todo aquele ambiente natural, inclusive, prejudicando a atividade econômica promissora, como o turismo.
O certo é que a capital amazonense precisa de cuidados, com o povo, com a vida. Não podemos falar de uma cidade turística com menos de 15% de tratamento esgoto, sem política de moradia, sem sistema de transporte público decente, sem cuidado, sem o belo, sem o povo. Critério simples: se for bom para o povo, será bom para o turista.
Mas Manaus resiste. Os professores resistem. Os sem casa ocupam, “dão um jeito”, os ambulantes se arrumam. Os indígenas formam bairros.Os jovens não esperam quadra na escola e no bairro, improvisam os campinhos. O povo luta. Não para. Esta é a Manaus que gostaria de comemorar, com mais dignidade e sendo respeitada. A Manaus que pouco é ouvida. E tem tanto a dizer. Será que o prefeito não ganharia ouvindo o mototaxista e o motorista de ônibus, que conhecem todos os problemas das ruas da cidade?
José Ricardo Wendling é formado em Economia e em Direito. Pós-graduado em Gerência Financeira Empresarial e em Metodologia de Ensino Superior. Atuou como consultor econômico e professor universitário. Foi vereador de Manaus (2005 a 2010), deputado estadual (2011 a 2018) e deputado federal (2019 a 2022). Atualmente está concluindo mestrado em Estado, Governo e Políticas Públicas, pela escola Latina-Americana de Ciências Sociais.
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