O direito humano à água e ao saneamento foi reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 28 de julho de 2010. Sendo resultado de um acirrado conflito, este direito consolida a postura segundo a qual as sociedades devem garantir estes serviços para todas as pessoas, independente da sua classe social, gênero ou raça, abrindo para a humanidade um horizonte de solidariedade diante das múltiplas adversidades naturais, econômicas e sociais.
Por outro lado, tal determinação rejeita as posturas individualistas que defendem concepções corporativistas, a partir da qual os indivíduos ou grupos devem se empenhar em garantir os seus interesses, competindo entre si e ignorando as necessidades básicas dos outros. O reconhecimento do direito à água e ao saneamento, portanto, busca atenuar a tese que concebe o homem como lobo do homem, idealizada pelo filósofo inglês Thomas Hobbes (1588 – 1679).
Ao garantir que todos os seres humanos tenham acesso à água e ao saneamento, a ONU procura defender o direito à vida, pois o homem não é capaz de viver sem água por mais de três dias. Além disso, o saneamento ambiental é um serviço fundamental que impacta diretamente na qualidade de vida das pessoas e comunidades, definindo a longevidade e a capacidade de desenvolvimento do ser humano.
Em pleno cenário do mundo capitalista, a ONU abre uma brecha na economia da competição para a fraternidade, lembrando o valor incomensurável da vida humana e da nossa responsabilidade pelo cuidado dos outros. Trata-se de lembrar que vivemos numa casa comum, onde as intervenções em qualquer lugar do mundo impactam a vida nas outras partes do planeta. Tudo está interligado, numa relação de interdependência, que exige a superação de concepções fragmentadas, reducionistas e utilitaristas.
A implantação do direito humano à água e ao saneamento é fundamental nas sociedades capitalistas, onde as empresas privadas buscam controlar os recursos hídricos, definindo quem tem acesso à água potável de acordo com a classe social do consumidor. Para evitar esta situação e visando garantir a dignidade humana é viável implantar um volume mínimo de água para os que não têm capacidade de pagamento.
Em sociedades desiguais como o Brasil, é necessário assegurar o fornecimento gratuito de água (incluindo-se o respectivo esgotamento sanitário) para domicílios residenciais de famílias de alta vulnerabilidade socioeconômica. Aqui, tem-se como referência o fornecimento livre de cobrança de 4,5 a 6 m³ de água por mês para cada domicílio. Este valor é indicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que recomenda 50 litros por habitante por dia e considerando-se 3 a 4 pessoas por domicílio. Acima desse volume, deveria se aplicar a tarifa social, contemplando as populações pobres incluídas no CadÚnico.
A entrega dos serviços de água e esgoto às empresas privadas inviabiliza a implantação deste mínimo gratuito para as populações mais vulneráveis, pois tais empresas dificilmente renunciariam aos seus lucros em favor dos mais pobres. O novo marco regulatório do saneamento básico, portanto, atua na contramão do direito à água e ao saneamento, abandonando as populações mais vulneráveis que não têm capacidade de pagamento e dando mais um passo para trás no processo civilizador da humanidade.
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