O homem moderno respira violência.
Em dezembro do ano passado completaram-se 65 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela resolução 217 A da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948. No preâmbulo da Declaração, as Nações Unidas consideravam que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade. Era uma referência às duas grandes Guerras Mundiais, que ceifaram milhares de vidas de homens, mulheres e crianças inocentes.
Pois bem, o que aconteceu em 65 anos de História da Humanidade? As guerras nunca cessaram. Desde a Segunda Guerra Mundial, o Planeta nunca esteve totalmente em paz. Na maioria dos casos, as guerras são patrocinadas pelos próprios países que assinaram a declaração dos direitos humanos. Direitos humanos, que, aliás, se tonou quase um termo pejorativo no imaginário popular.
Quando da assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o alvo eram os Estados Nacionais e seus governantes. Acreditava-se que criando meios de impedir a ação do Estado contra seus cidadãos e contra os cidadãos de outros Estados, se estaria criando as bases para uma cultura de paz. O problema é que a violência não é uma ação do Estado, mas do homem. Logicamente, quando ela parte dos homens que comandam o Estado, o problema se acentua, porque suas vítimas não têm como se defender. Infelizmente, os corações humanos – pelo menos da maioria – não foram tocados pelo conteúdo da declaração.
E a violência nos ronda como uma fera a perseguir sua presa. Respiramos violência até quando dormimos. Ao acordar, o homem moderno liga a televisão e assiste a uma enxurrada de notícias sobre a violência real nas cidades. Os casos passaram a ser tão comuns que nada mais choca o homem moderno. Ele recebe o noticiário policial como um drops e segue seu curso.
Ao longo do dia, o homem moderno é jogado à cova dos leões nas grandes cidades, e precisa enfrentar, por exemplo, um trânsito que também respira violência e que mata mais que as guerras. Xingamentos, palavrões, agressões e mortes são ingredientes de uma mistura que transforma o ser humano em animal quase irracional.
À noite, na televisão, a violência impera nas tramas e nos telejornais. Violência física, atentados contra a vida, assassinatos gratuitos, tudo isso faz parte do cardápio que alimenta os espíritos modernos, via televisão. Um único herói, nos filmes de ação, destrói centenas de vidas, para o deleite do homem moderno. A ficção e a realidade se confundem. Os meios de comunicação chegam ao cúmulo de trazer para a vida real os problemas criados na ficção, sob o argumento de que é da realidade que eles são extraídos para se tornarem um produto de consumo da indústria cultural. São raros os produtos culturais na TV e no Cinema que escapam à banalização da violência.
E o homem e a mulher modernos aplaudem a surra de uma personagem na novela, vibram com a morte do vilão e se identificam com o herói que destrói dezenas de vidas nos filmes de ação.
Não existe melhor exemplo do deleite que a violência causa nos humanos do que as lutas marciais que se tornaram atração mundial e movimentam centenas de milhares de dólares, com transmissão pela TV. O comportamento dos torcedores é revelador: quanto mais sangue o “atleta” tira da face do adversário, mais o público vibra. Ninguém ficaria chocado se uma luta dessas resultasse em morte, principalmente se a morte fosse do “vilão” pelo “mocinho”.
Seria simplório colocar a culpa da violência nos meios de comunicação. A intenção, aqui, não é essa. É apenas discutir como estamos cercados pela violência na ficção e na realidade. No caso das lutas livres, vemo-nos diante de uma quase ficção. Infelizmente, as pessoas são reais e não estão representando. É pura realidade a violência transmitida como espetáculo.
Essa mesma violência da ficção passou a ganhar as ruas. O tráfico de drogas age como as gangues nos filmes, matando qualquer um que ouse interferir nos negócios dos “chefões”. Bairros inteiros, cidades inteiras, passam a ser dominados pelos traficantes. O Estado tem se mostrado impotente diante da violência patrocinada pelo tráfico.
Os presídios, de depósitos de presos se transformaram em quartéis generais dos grupos que comandam a violência nas grandes cidades. Com o dinheiro do contribuinte, que banca a vida nos presídios, os presos montam as estruturas criminosas que em nada perde para as gangues mostradas na ficção.
Para demostrar força, esses criminosos saem às ruas e transformam a população em refém. O caso do Maranhão é o exemplo mais atual, mas não é o primeiro nem será o último. No Brasil, o crime organizado está vencendo a luta contra o Estado desorganizado em diversas unidades da federação.
Diante da impotência do Estado, a população passa a apontar soluções que ferem de morte a Declaração Universal dos Direitos Humanos, como a pena de morte e a chacina. O que se repudiava há 65 anos é, agora, a pedra de toque do combate à violência. Tal comportamento só demonstra a derrota da sensatez do homem moderno.
Valmir Lima é jornalista, graduado pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (Ufam), com pesquisa sobre rádios comunitárias no Amazonas. Atuou como professor em cursos de Jornalismo na Ufam e em instituições de ensino superior em Manaus. Trabalhou como repórter nos jornais A Crítica e Diário do Amazonas e como editor de opinião e política no Diário do Amazonas. Fundador do site AMAZONAS ATUAL.
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