“Os espaços virtuais, longe de serem locais de liberdade de ação, mostram-se eficazes espaços de controle do indivíduo, seus padrões de consumo, lazer e tomada de posições” diz o filósofo Gillies Deleuze. Para ele, a querela epistemológica entre direita e esquerda “…é sobretudo uma questão de percepção!” Este debate continua bem vivo (ou “ainda continua vivo”) e deve ter atenção especial sobretudo quando nos referimos às definições e posicionamento das respectivas ideias. E precisa de cuidado rigoroso, para que se evite o imediatismo das rotulações, comuns à pobreza de debates passionais. É imperativo o olhar crítico para aferir coerência de argumentos na interpretação do discurso político. O resgate e a atualização dos diversos posicionamentos exigem, pois, fundamentação histórica, ética e teórica. Portanto, aferir de uma situação sociopolítica e ideológica, devemos usar o poder da crítica ativa para implodir o lugar comum do pensamento linear, que não se sustenta por si só, a não ser com injeções diárias de morfina. Ou há outra fórmula para aturar esse metabolismo de falsificação do real?
O pensamento livre precisa permanentemente se reinventar – sobretudo o que adota um posicionamento ao liberalismo reinante, convencionalmente chamado de esquerda critica. O contexto atual configura novas possibilidades de ação, que devem se distanciar de alguns erros políticos e morais por parte daqueles que vestiram as cores púrpuras do passado de oposição. Não cabe dizer que a direita precisa se reinventar, dado que, de modo geral, é disso que ela têm medo. E, objetivamente observando, medo é também o que a define. É comum, quando se indaga sobre a diferença entre as duas posições, estabelecer duas ideias centrais, cada uma para resumir um posicionamento: a esquerda seria identificada pela busca da igualdade, enquanto sua adversária, pela busca de uma suposta liberdade.
O interessante é que os dois conceitos foram deturpados a tal ponto de não darem mais conta de realmente significarem o que pensam e como agem tais correntes A igualdade que é desejada tradicionalmente pela esquerda – ao contrário que muitos conservadores costumam dizer – não tem nada a ver com os predicados das subjetividades dos sujeitos. Tem a ver somente com o acesso a direitos e oportunidades. Tem a ver com o acesso, não só aos bens de consumo, mas principalmente aos meios de produção. Remete-se à igualdade material.
Isto é, não significa que todos devem ser iguais enquanto sujeitos. Significa que todos devem ter possibilidades reais de aflorarem sua subjetividade da maneira que lhes apetecerem. É nesse impasse que a posição de Deleuze se mostra brilhante: ser de esquerda é perceber primeiro o contorno. Começar pelo planeta, depois pelo continente, o país, e assim sucessivamente até o sujeito. Pois, acertivamente, entende-se que o contexto histórico-social é o que forma os predicados das pessoas.
O delírio liberal é fazer o caminho contrário: começar pelo indivíduo como se a sociedade fosse apenas uma soma deles. Ou como disse Margaret Thatcher: “não existem classes, apenas indivíduos”. Como se estes não estivessem submetidos aos condicionamentos sociais. Como se seus predicados fossem dados de partida. Essa é a noção de igualdade deles.
A tragédia filosófica é que os sujeitos não partem nunca do mesmo lugar, nem tem as mesmas oportunidades. Esse pensamento só serve pra manter as mesmas condições de privilégio para as mesmas castas de sempre e para sempre.