Independentemente do resultado das eleições 2018 no Brasil, a mobilização nacional das mulheres em torno da luta contra o candidato Jair Bolsonaro, em termos sociológicos, já pode ser considerada a mais importante revolução das mulheres nos últimos tempos.
O processo de organização de grupos nas redes sociais, a articulação de eventos simultâneos e a convocação para o grande evento de protesto dia 29 de setembro de 2018, de longe, representa a maior mobilização das mulheres brasileiras em torno das questões políticas do País.
A iniciativa de tomar as ruas como gesto concreto para além das intensas articulações nas redes sociais em torno do lema: #EleNão, #EleNunca, deixa claro ao presidenciável identificado com o discurso da intolerância, do ódio, das posições sexistas, homofóbicas, racistas e, acima de tudo, fascista, que as mulheres não vão se calar nesse processo eleitoral.
Mesmo que muitas não compareçam às ruas, estarão conectadas de alguma maneira ao evento e ao debate contra toda forma de violência praticada contra as mulheres no processo eleitoral e na política. Conectadas às redes sociais, milhares de grupos de mulheres participam do debate simultaneamente em todo País e preparam a logística do dia de protesto nas ruas.
É interessante reconhecer o potencial de articulação e o alcance destes grupos nas redes sociais. De dentro de casa, do ambiente de trabalho, das escolas, dos hospitais… a cada segundo uma mulher se posiciona dentro do debate. São protagonistas das discussões em torno do tema que desperta cada vez maior participação entre as mulheres. Decidem juntas, num intenso processo participativo e democrático, sobre a logística dos eventos, definem as cores e as artes das camisetas, as frases que devem ser escritas nas faixas e cartazes, socializam materiais dos diversos grupos e movimentos de mulheres aos quais pertencem, colocam-se à disposição para contribuir com o grupo, trazem o que têm para somar na grande luta contra o fascismo do referido candidato que representa, em síntese, mais uma forma de violência contra as mulheres e contra toda sociedade.
A revolução das mulheres é uma representação do clássico ‘A Revolução dos Bichos’, publicado em 1945 pelo escritor, jornalista e ensaísta político inglês, nascido na Índia Britânica, George Orwell. O clássico narra a insurreição dos animais de uma granja contra seus donos, fazendo uma referência comparativa à luta das classes populares da Europa contra o eixo nazifascista durante a Segunda Guerra Mundial.
A revolução das mulheres, em curso no Brasil, pode intervir ou até mesmo definir os rumos das eleições de 2018. Mas, para além do processo eleitoral, representa impactos profundos na nova forma de organização e participação política das mulheres numa sociedade em que representamos 52% do eleitorado brasileiro, mas, ainda ocupamos somente 9% dos cargos na Câmara de Deputados, ou seja, apenas 45 deputadas num total de 512 representantes. Ainda no campo das estatísticas das últimas eleições, para cada 07 vereadores no Brasil, somente 01 é mulher, o que representa pouco mais de 13% dos cargos eleitos; no legislativo estadual e distrital, representamos apenas 11,33% dos cargos; no legislativo federal ocupamos apenas 9,94% das vagas; no Senado somos 14,81%. Mesmo sendo considerados ainda muito baixos, esses percentuais têm crescido de forma lenta nos últimos anos.
No cenário mundial, 92% da humanidade é governada por homens. Num ranking de 186 países sobre da participação das mulheres em mandatos políticos, o Brasil ocupa a 161ª posição internacional, ficando entre os lanternas, na linguagem futebolística.
A bem da verdade, os cargos políticos são muito importantes para a representatividade feminina, mas, não são apenas essas as formas de participação política. O que se vê no Brasil nesse processo eleitoral é a grande revolução das mulheres que partiram para a luta no campo político demonstrando que sua participação não está resumida apenas aos cargos políticos.
A revolução das mulheres mobiliza todas as categorias sociais, artistas de todas as áreas, indígenas, brancas e negras, profissionais liberais, estudantes, jovens… Todas nas ruas dia 29 de setembro na luta contra todas as formas de violência praticadas contra as mulheres também no processo eleitoral e no cenário político do Brasil.
Marcia Oliveira é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva - Espanha); Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); Pesquisadora do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); Professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR); pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR). Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM/CNBB e da Cáritas Brasileira.
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