A cidade de Manaus possui uma população de 2.130.264 habitantes (IBGE 2017), mas, segundo os dados do Sistema Nacional de Informação sobre o Saneamento (SNIS 2017), apenas 12,25% desta população são atendidos pelo serviço de esgotamento sanitário (261.062 habitantes). Estas informações nos permitem afirmar que 1.869.202 habitantes vivem sem coleta e tratamento de esgoto na capital amazonense. Trata-se do lamentável resultado da negociação, que transferiu para a iniciativa privada a gestão deste setor na cidade de Manaus.
Com estes dados é possível afirmar que os serviços de esgotamento sanitário em Manaus têm sido sistematicamente ignorados ao longo do período da concessão privada, iniciado em julho do ano 2000. A irresponsabilidade das empresas que se sucederam durante todo este tempo (Lyonnaise des Eaux, Solvi, Águas do Brasil e Aegea Saneamento) tem sido evidenciada em inúmeras ocasiões, deixando claro que esta omissão constitui uma opção política e social apoiada pelos sucessivos governos que ocuparam o poder municipal. Decidiu-se formal e deliberadamente fechar os olhos e ouvidos aos apelos e denúncias populares, relevando este serviço essencial para o segundo plano ou mantendo-o fora dos planos.
Considerado o principal motivo para a realização da privatização da estatal Manaus Saneamento, os serviços de esgotamento sanitário em Manaus nunca foram assumidos como prioritários pelas concessionárias dos serviços de água e esgoto que se sucederam durante as duas últimas décadas na cidade. Circunscrito ao centro histórico e às áreas nobres, o esgotamento sanitário atendia, na época da privatização, apenas 3% dos domicílios da cidade, constituindo fonte de preocupação em relação à saúde pública e no que se refere à gestão ambiental. A reduzida ampliação da rede de esgotamento sanitário para 12% da cidade indica a ausência de interesse das concessionárias pelo bem-estar da população, mas também a indiferença pelas questões ambientais, que tanto impactam a qualidade de vida na cidade e inspiram o cuidado pelos rios e pela natureza em geral.
Esta situação tem gerado o questionamento sobre o pagamento da taxa de esgoto, cuja cobrança é baseada numa proporção de 100% em relação ao valor da água consumida. Trata-se de perceber que não somente se trata de um percentual arbitrário, mas também refere-se a uma cobrança que é feita, muitas vezes, em localidades onde o serviço não é realizado ou é precariamente implantado. De fato, os órgãos de defesa de consumidor têm registrado, a partir da privatização, uma significativa elevação do número de reclamações por cobranças indevidas, tanto no serviço de abastecimento de água como no esgotamento sanitário. Estamos diante de uma estratégia de exploração colocada em curso pelas empresas, que visam ampliar indefinidamente os seus lucros. Muitos moradores simplesmente pagam estas taxas injustamente cobradas sem reclamar. É uma estratégia que rende milhões aos cofres da concessionária, elevando significativamente o lucro anual do empreendimento.
Outro problema gerado pela ausência de esgotamento sanitário diz respeito à contaminação da água distribuída pela própria empresa. O contato do esgoto corrente com as encanações perfuradas produz a infiltração de materiais contaminados nas tubulações de distribuição de água, prejudicando a qualidade deste bem essencial. Esta situação promove uma desconfiança generalizada da população em relação à pureza da água distribuída pela empresa, acarretando uma busca desenfreada pelo comércio da água mineral engarrafada.
A determinação de não implantar os serviços de esgotamento sanitário, além de prejudicar a saúde da população e depredar o meio ambiente, também demonstra a falta de interesse da empresa pelo cumprimento do contrato de concessão, uma vez que para estes serviços são estabelecidas metas contratuais a serem cumpridas. Ocorre, porém, que durante os últimos dezenove anos foram realizadas inúmeras alterações no contrato de concessão, buscando sempre beneficiar a empresa através da redução das metas a serem alcançadas. Trata-se dos Termos Aditivos ao Contrato de Concessão. Desta forma, ao invés de a empresa se esforçar para atingir as metas previstas no contrato, estas são modificadas para se adequarem ao frágil desempenho da concessionária. Assim, com a conivência da prefeitura municipal (o poder concedente), a empresa de água e esgoto possui todas as facilidades e ainda a garantia de ampliar os seus lucros durante todo o período previsto no contrato de concessão (até 2045).
Esta realidade da cidade de Manaus confirma o pensamento do Papa Francisco, quando ele afirma que a Amazônia sofre com uma “mentalidade cega e destruidora”, que tem como objetivo favorecer o lucro. Com esta proposição, o religioso alerta à humanidade sobre a degradação ambiental presente na região, que torna insustentável a vida dos povos aqui residentes. Não é difícil perceber em Manaus que a busca desenfreada pelo lucro tem ignorado princípios éticos fundamentais, que deveriam alimentar o nosso cuidado para com as pessoas e com o meio ambiente. A gestão dos serviços de água e esgoto realizada pela empresa Águas de Manaus têm priorizado o retorno financeiro para os seus acionistas localizados fora da Amazônia (Washington, Cingapura e São Paulo), em detrimento da saúde das nossas populações e promovendo sérias agressões aos nossos igarapés, lagos e rios.
Estamos em contato direto com uma realidade que viola o direito humano à água e ao saneamento, reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), em julho de 2010. Embora sendo privilegiados pela enorme disponibilidade de recursos hídricos, possuímos somente 64% da população conectada efetivamente às redes de abastecimento de água (dados de 2017) e a grandíssima maioria dos manauenses não usufrui dos serviços de coleta e tratamento de esgotos domésticos, gerando depredação ambiental e prejudicando a própria saúde.
Este conjunto de fatores leva necessariamente ao questionamento sobre a viabilidade da privatização dos serviços de abastecimento de água e esgoto em Manaus, ocorrida em 2000. Apesar das inúmeras razões apresentadas para se realizar a quebra do contrato de concessão (CPI de 2005, Estado de calamidade pública, em 2006, CPI de 2012, ausência permanente de esgotamento sanitário), a concessão avança serena e firmemente no tempo, pois tem o apoio irrestrito da prefeitura municipal. Com esta postura, o poder municipal demonstra que tem mais compromisso com as grandes empresas e atores do mercado financeiro do que com a população manauense. Trabalhar para melhorar as condições de vida das periferias e comunidades pobres não integra o horizonte dos administradores públicos. O cuidado com o meio ambiente é inexistente.
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