Por mais crítico e subversivo ao sistema que fora, Karl Marx estava certo, entre outras tantas coisas, em admirar o capitalismo em várias das suas capacidades de impacto no ser humano e autotransformação enquanto sistema – é de longe o modo de produção mais fascinante da história.
Como se não fosse também trágico, a estrutura econômica atual do mundo provoca, para aqueles que abrem mais seus olhos, um sentimento duplo de estupefação e agonia. O primeiro por talvez não acreditar numa superação curto-prazista. O segundo por se deparar com a necessidade latente de se reinventar enquanto portador duma nova práxis política.
O avanço e a consolidação do neoliberalismo depois do pós-guerra produz uma série de consequências que, por agora e doravante, aumentam sua incompatibilidade com os modelos democráticos, ao mesmo tempo que encurralam os partidos de esquerda pelo mundo em relação a sua liberdade de políticas econômicas.
A esquerda se defronta com o fato de suas opções políticas que a aproximaram do centro não mais atenderem o capital, o povo e os manuais de economia ortodoxa. Enquanto para os conservadores da direita o único – ou pelo menos o maior – impasse é a distância real entre sua práxis e a consciência popular, para os progressistas a água bate na bunda.
Isso emplaca um marco de esgotamento de certa disputa ideológica mais uma vez na história. Longe de reforçar àqueles que sonham com o “fim da história” de Fukuyama – isto é, o fim das disputas das mudanças de economia política, colocando o mercado como responsável pela gestão da civilização até o fim – esse marco impõe razoavelmente um fim a certa esquerda que queria, no Brasil e no mundo, “lutar contra a pobreza” sem confrontar o capital.
A crise de 2008 e suas sequelas causaram, é verdade, não somente o fim dessa esquerda que tentava não contrariar a ordem, como também uma suposta – pra não dizer artificial – unanimidade dentro do debate da economia ortodoxa. Não há outra agenda possível que não seja a da austeridade, e tudo fora isso é ideologia – querem fazer parecer.
O debate entre liberalização e estatismo está superado dentro do horizonte capitalista, contudo, parecem querer acabar agora com a dicotomia direita-esquerda. Num claro sintoma de que, seja qual lado você mais se aproxima no espectro, sua opção é uma só.
O interessante disso é que, por isso ter sido ruim para a esquerda das últimas décadas demanda agora das forças progressistas um novo ímpeto mais radical, que por sua vez só seria possível caso tivesse sido feito – no caso do Brasil – o trabalho de base, um pouco fora de moda ultimamente.
Ao mesmo tempo, faz a população também rechaçar boa parte das práxis dos liberais de direita pelo mundo. Nos EUA e na Inglaterra – grandes eixos do liberalismo –, por exemplo, a população rechaçou o projeto liberal de centro. No Brasil idem.
Isso corrobora para o argumento que nega a suposta onda conservadora. Não há uma “endireitação” da sociedade, há uma reprovação da política que por sua vez se centralizou. A extrema direita apenas soube lidar melhor com as demandas das populações do que a inofensiva esquerda.
Existe um duplo funcionamento político na sociedade atual. E um muro separando-os. Um eixo acontece na dinâmica social, outro nas grandes decisões político-econômicas de colarinho branco. A institucionalidade do capitalismo contemporâneo ignora o povo, e por isso é categoricamente antidemocrática. No capitalismo atual, o povo é apenas mais uma variável a ser controlada. Continua…
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