
É arcaica e inferior ao necessário a infraestrutura para conectar Manaus com o mundo. A começar pelas instalações portuárias improvisadas para barcos regionais no Centro da cidade, com o estranho nome de “Manaus Moderna”, completamente incompatível com o que se vê. Os rios são, para o interior do Estado, o que as ferrovias são para o interior da Europa ou as estradas para o interior de São Paulo. Deveríamos ter um terminal intermunicipal e interestadual exemplar, pois possuímos a maior bacia hidrográfica do mundo.
Na conexão rodoviária precisaríamos possuir uma rodoviária exemplar, pois Manaus é uma cidade-Estado, abrigando praticamente a metade da população do Amazonas e com uma arrecadação expressiva em razão do Polo Industrial de Manaus. Deveria haver uma grande rodoviária, com acesso fácil para todo o interior conectado por rodovias ou pelo “rô-rô caboclo” (misto de transporte rodoviário e de veículos em balsas para os trechos de rio), bem como o transporte para os Estados vizinhos onde exista a mesma condição. Não é o que se vê, pois também há um descaso – a rodoviária está antiga e sequer recebe as evoluções normais de manutenção.
A terceira oportunidade para uma melhor conexão da cidade com o mundo é o aeroporto internacional, que faz tempo que poderia ser um concentrador (“hub”) de voos para o Norte da América do Sul. Este projeto é acalentado e costuma entrar e sair da pauta ao longo dos últimos anos. A oportunidade segue lá, com uma vantagem geográfica ímpar, capacidade instalada, gestão na iniciativa privada, mas ainda dependente de apoio privado (empresas aéreas), estadual (incentivos singelos e robustos) e federal (regulatório e de apoio político) para o intento.
Estas três dimensões de oportunidades possuem um potencial transformador. Pequenas e grandes iniciativas poderiam ser encampadas pela sociedade local em cada uma destas questões, mas o que se vê são projetos que não possuem a visão sistêmica, nem o rito para a sua realização sendo cumprido. A infraestrutura de transportes é um grande indutor das atividades econômicas do futuro, não ao contrário, como se pensa usualmente. Primeiro surge a rota oportunizada pela infraestrutura – a atividade econômica vem depois. As rotas da seda surgem antes dos negócios da China.
Para termos um Amazonas mais próspero e senhor de seu desenvolvimento e atividades econômicas pujantes para o caboclo, para o ribeirinho ou para a multinacional, precisaremos começar a considerar mais importante os “menores”.
Enquanto as populações tradicionais, mais pobres e com menos recursos seguirem a ser desprezadas nas obras de infraestrutura, não teremos como construir um Amazonas próspero. O exemplo da Europa e de suas ferrovias sempre surgem nos sonhos brasileiros, por algum saudosismo imaginário. Falta adequar este sonho com a nossa geografia e orçamento disponível.
Enquanto não fizermos o que a boa prática de Engenharia contemporânea defende, seguiremos a fazer projetos não sistêmicos e as oportunidades seguirão desperdiçadas.
Uma grande solução seria refletir a partir das hidrovias, com diferentes terminais hidroviários para cada calha de rio. Também é oportuno uma estrutura de terminal rodoviário que seja integrado de alguma forma com estes rios e aeroporto. A área urbana da cidade ainda é relativamente pequena, frente ao seu potencial.
Tenhamos a consciência de que a hora é agora para adotar as melhores práticas e corrigir no presente os erros do passado. A cada dia que se adia o enfrentamento destes problemas ou seguirmos a pensar em obras isoladas, perpetuaremos os equívocos e imporemos ao futuro um custo cada vez maior e, certamente, desnecessário.
Há de se modernizar as reflexões, com simulações computacionais e integração sistêmica dos transportes de Manaus com o Amazonas e com o mundo.
Augusto César Barreto Rocha é doutor em Engenharia de Transportes (COPPE/UFRJ), professor da UFAM (Universidade Federal do Amazonas), diretor adjunto da FIEAM, onde é responsável pelas Coordenadorias de Infraestrutura, Transporte e Logística.
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De fato, essa desconexão de Manaus com o mundo é um misto de irresponsabilidade pública, desleixo político e corrupção sistêmica. Atualmente, 35 quilômetros no trecho da BR-174 (Manaus/Boa Vista-RR) dentro da reserva indígena Waimiri-Atroari é uma pista de rally. Buracos que engolem um pneu inteiro de caminhão formam um tapete lunar. Pela estrada se transportam passageiros, gás, gasolina, diesel, alimentos. Para esses veículos de carga, o tempo de viagem se prolonga em até 3 horas. A alegação para manter a estrada impecável é sempre a chuva.
Com esse tipo de visão política e gestão pública, viveremos para sempre como região ainda a ser descoberta pela civilização.