OPINIÃO
MANAUS – O jornalismo brasileiro nunca esteve tão decadente. Nesses tempos de avanços da tecnologia da informação e da explosão do uso das redes sociais, o jornalismo acabou errando a mão e partindo para uma prática das mais tristes da história dessa profissão, que nasce da necessidade de revelar fatos, documentos e comportamentos que alguns sempre quiseram manter sob um manto escuro.
Um fato recente, mas relevante, demonstra o abismo em que o jornalismo foi jogado: a ANJ (Associação Nacional de Jornais), que tem entre seus associados os meios de comunicação tradicionais (Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo e O Globo, só para citar os três mais conhecidos), publicou uma “nota à imprensa” em que dizia que o bloqueio do X no Brasil “afeta o dever do jornalismo profissional”.
O que a entidade reivindicava na ocasião era o direito dos jornalistas de usar a plataforma comprada pelo bilionário fora da lei Elon Musk para fazer seu trabalho diário. E, de fato, nos últimos anos, o jornalismo brasileiro tem cada vez mais utilizado as frases curtas do Twitter (que virou X) como fonte de informação.
“A Associação Nacional de Jornais (ANJ) manifesta sua profunda preocupação com as restrições ao trabalho da imprensa diante da proibição do STF de acesso à rede social X (ex-Twitter).” Assim começa a nota da ANJ.
Em outro trecho, a ANJ escreve: “A entidade tem recebido uma série de informes de veículos e jornalistas que deixaram de ter acesso a visões, relatos e pensamentos de diferentes fontes de notícias, dentro e fora do Brasil, e que são corriqueiramente distribuídos por meio da plataforma.”
O jornalismo feito pelos grandes jornais brasileiro e agências de notícias nacionais tem se resumido a matérias a partir de declarações incompletas de personalidades, políticos e pessoas comuns, sem ao menos se dar o trabalho de apurar as informações. Um caso recente foi a notícia de um assalto aos membros do grupo musical Molejo, um dia após a morte de um de seus principais artistas.
Os jornais deram a notícia a partir de uma postagem no X do grupo, que não explicava as circunstâncias em que o assalto foi praticado. Até hoje não há sequer a confirmação de que o fato realmente ocorreu.
A ANJ diz que “uma das missões da imprensa é exatamente acompanhar o que se passa nas redes e fazer a devida verificação de versões e declarações, confrontando-as com fatos e dados reais.” Mas o “jornalismo de Twitter” sequer se dá esse trabalho de checagem.
Os jornalistas não entrevistam mais as autoridades, como se fazia no passado. A matéria jornalística é feita a partir de duas linhas escritas em uma rede social. Para completar o texto, serve qualquer coisa para “encher linguiça”. O vídeo que “viralizou” ou o “meme” feito por qualquer “subcelebridade” vira notícia mesmo que o conteúdo seja falso.
Nas eleições deste ano, um novo episódio ajuda-nos a entender como o jornalismo dos antigos jornalões perdeu a linha: a entrada de Pablo Marçal na disputa pela Prefeitura de São Paulo animou não apenas os repórteres, mas os comentaristas de plantão do mundo político.
Os jornalistas, por ingenuidade ou mau-caratismo, não se incomodaram de ser usados para ajudar o candidato do PRTB a ganhar a confiança do eleitorado. Com a falácia de que Marçal é “um fenômeno das redes sociais”, foram abrindo espaço em todas as mídias para ele arrotar mentiras, insultos e grosserias. O comportamento que beirava a delinquência “viralizou” no jornalismo profissional. Marçal passou a ser o principal item da pauta.
A “midiazona” caiu como um patinho na estratégia do ex-coach. Ele cresceu e apareceu nas primeiras colocações nas pesquisas de intenção de voto. Por isso, carregou a mão, porque as bobagens e grosserias que dizia e fazia viravam notícia em todos os jornais do país.
O único fato que mereceu manchete foi a cadeirada aplicada por José Luiz Datena. Um fato jornalístico puro, não pré-fabricado, como as provocações de Marçal aos adversários.
Agora, no final da campanha, os mesmos jornalistas que ergueram Marçal ao pódio da eleição tentam corrigir o erro, sem reconhecer que erraram.
O jornalismo precisa voltar a ser feito com pensamento crítico, como o foi no início. Não existe jornalismo imparcial, e nesses tempos de redes sociais, em que cada cidadão pode fazer o papel de jornalista, o desafio da profissão é ainda maior, mas ele jamais pode flertar com a mentira. A verdade sempre foi e sempre será o fundamento do jornalismo.