Os profetas da crise, desincubada a partir de 2008 e cujos impactos ainda perduram pelo mundo, tinham razão. Ela é devastadora e demorada. Se no início, no Brasil, foi considerada uma “marolinha”, agora é “tsunami” violento, agravado pelas disputas políticas e vícios institucionais. Os efeitos se fazem sentir no campo socioeconômico. E ambiente político, que deveria atuar para combatê-la, termina por agravá-la devido ao descrédito das autoridades e aos defeitos das instituições.
Não se trata de desmerecer as necessárias investigações nem de ser conivente com a pilhagem de recursos públicos, com a corrupção e com a impunidade, mas de buscar conduzir administrativa e politicamente o processo de modo a preservar a viabilidade econômica no país e proteger a confiança do investimento externo no mesmo. Da forma negligente como a luta política e eleitoral tem sido conduzida num país seriamente impactado pela crise econômica global, os efeitos dela podem perdurar independentemente do grupo que assuma o comando político do Brasil e se estender muito mais do que se imagina. Não precisa ser cientista político para perceber que a maneira como se tem travado o jogo político pela disputa do poder central está tornando as coisas mais danosas e prejudiciais para as finanças e economia do país, inclusive aniquilando a imagem de ambiente viável do mesmo para negócios e transações lícitas com investidores externos. Por esse motivo, é fundamental atentar para o modo de conduzir as disputas políticas internas, buscando os melhores fins a partir dos melhores meios ou, ao menos, dos meios que não causem maiores danos ao país já debilitado economicamente, cujas perspectivas de desenvolvimento da sociedade estão seriamente abaladas.
As incertezas e os ceticismos desaceleram e até paralisam diversos setores da atividade econômica. A disposição para investimento em empreendimentos e negócios no país fica prejudicada, especialmente quando pela lente do investidor externo. Como investir numa economia sem garantias mínimas e num país sem autoridades e instituições nas quais se possa confiar? O consumo desaquece, os negócios ficam estagnados, a arrecadação encolhe, o desemprego cresce e, ainda assim, em que pese o aumento dos juros e outras medidas para conter a inflação, esta continua a surpreender. A estabilidade econômica tão arduamente conquistada pela sociedade brasileira e suas instituições está por um fio ou por alguns números.
O pessimismo dos agentes econômicos, que desanima investimentos, corroendo a confiança no ambiente institucional e nos negócios, aos poucos se generaliza em relação a tudo mais e praticamente vai atravancando, paralisando o país. A sociedade sem referências nem esperanças, ressentida com as decepções, estacionada nas incertezas, vai perdendo o ritmo da dinâmica empreendedora e acaba por tornar a crise algo crônico e ainda pior.
Nesse contexto, as instituições, forças e grupos políticos precisam ajudar e não atrapalhar a recuperação do país. Mas no Brasil atual, porém, além delas ampliarem o descrédito e as incertezas que contaminam toda a atividade econômica, esses grupos e forças políticas continuam a manter os mórbidos padrões de disputa de pelo poder. Insistem num jogo político ultrapassado, no legado da viciada “hienagem” da história política brasileira que nada preserva de digno e de promissor. As velhas estratégias da mídia patrimonialista afundam ainda mais o sentimento que fomenta a paralisia na sociedade brasileira. A forma como o obsoleto jogo político espetaculariza o “show” de acusações e investigações, a pirotecnia das CPI’s e o suspense das “cenas do próximo capítulo” lembram um dramalhão espetaculoso da pior espécie, que mais se assemelha a rounds de vale tudo suburbano.
Um cenário político dantesco, protagonizado por uma situação desmantelada e uma oposição desmoralizada, reeditando um teatro de bizarrices políticas mórbidas, sob os holofotes manipuladores da grande e interesseira mídia sulista. Resultado do teatro mórbido: afunda-se cada vez mais num pessimismo econômico que vai paralisando o país, fazendo os investimentos e as arrecadações caírem, pressionando os salários, aviltando as funções, aumentando o desemprego, fomentando um contexto institucional que dificulta ainda mais enfrentamento da grave crise socioeconômica, tornada crônica e com impactos no agravamento de antigos problemas sociais brasileiros (insegurança pública, violência, criminalidade, aumento da população carcerária, precária assistência social, médica e educacional…).
É constrangedor sermos mediados por figuras tão nanicas politicamente, seja da situação seja de oposição, que evidenciam a completa ausência de atitude republicana. Talvez fosse o tempo da sociedade estudar a cobrança de algum tipo de critério de qualidade da idoneidade do candidato, que fosse além da “ficha limpa”, ou de realizar um concurso prévio às eleições para aqueles que se candidatam a cargos públicos eletivos. É fundamental a exigência de um mínimo de compromisso ético, de qualidade cívica e de respeito para com a legalidade e o ordenamento jurídico nacional. Do jeito que está o sistema eleitoral e de mediação partidária, a política no país tende a ser sempre esse teatro mórbido de promessas que desembocam em amargas decepções. As forças e grupos políticos do país ainda não se portam com a devida seriedade e competência que a atual crise requer, importando-se apenas em prosseguir com o velho jogo política que se resume em trocar “seis por meia dúzia”, em jogar um grupo contra o outro, uma instituição contra a outra, e tirar proveito disso nas eleições. Um joguete ridículo, devassado e mórbido. O Brasil acaba se convertendo em mais uma republiqueta de jogatina pelo poder.
A economia, a sociedade, a educação, a saúde, a assistência social, a segurança pública, dentre outras coisas essenciais, tornam-se coisa de menor importância, sujeitas aos humores da jogatina e da hienagem do sistema político-eleitoral. Coisas maiores, que deveriam ser preservadas dessa disputa sangrenta, subcivilizada e semibárbara pelo poder, terminam por ficar subordinadas à lógica das velhas fórmulas de fazer política e disputar o poder no país. Uma combinação de egocracia e interesses escusos com pragmatismo cético e cinismo ideológico, que empurra a todos para o abismo do patrimonialismo, da corrupção, da cleptocracia e do fisiologismo na vida nacional. Alguns passam até a ver esses graves vícios como algo natural, parte da sociedade e das instituições de mediação política na história do país, como se a barbárie fizesse parte de um processo cultural fixo e imutável da sociedade. Uma coisa naturalizada pela ideologia da “esperteza” e da tradição política brasileira. Nada mais leviano. Porém, enquanto nada muda, o resultado continua sendo o mesmo: Brasil, o país do quase! “Nada, nada e morre na praia”. Um país rico que, no entanto, vive de ciclos que culminam sempre em sua própria derrocada, em prejuízo de seu povo produtivo e trabalhador, enquanto alguns “se dão bem”, saqueando os recursos públicos por meio de jogatinas políticas, deixando a amarga conta para os cidadãos, empresas e trabalhadores honestos pagarem.
E desse modo o espiral da crise se expande perigosamente sem previsão de solução a curto nem médio prazo. Um prejuízo inimaginável a gerações de brasileiros e brasileiras, cidadãos e cidadãs, que historicamente situam-se entre os que trabalham para que esse país cresça, dê certo e se torne um lugar melhor ao menos para seus descendentes. Uma reedição do passado político oligárquico, patrimonialista e exclusor, que descarta a maioria das pessoas da dignidade e da cidadania, afundando a sociedade na lama e em dívidas enquanto alguns grupelhos cleptocratas disputam o poder a qualquer custo. A crise, enfim, é útil, pois serve de desculpa para justificar a reinvenção da viciada jogatina política e manter vivo o histórico teatro mórbido.
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