EDITORIAL
MANAUS – O STF (Supremo Tribunal Federal) caminha para a aprovar a descriminalização do porte de maconha. O placar está 5 votos a favor e 1 contrário. Na quinta-feira (24), o mais novo ministro supremo, Cristino Zanin, deu o primeiro voto contrário à descriminalização, enquanto a ministra Rosa Weber proferiu voto a favor, depois de pedido de vista do ministro André Mendonça.
O que o STF está fazendo não resolve o problema gerado pelas drogas e, principalmente, pelo tráfico de drogas. Querem liberar uma quantidade de maconha para usuários que o diferencie do traficante, porque consideram desproporcional as prisões de pessoas por porte de droga, quando ela serviria apenas ao consumo do portador.
Existe medida mais descabida do que essa? São inúmeros os problemas que a medida traria, sem solucionar o problema mais preocupante, que é o tráfico e a violência que ele produz. A descriminalização nos termos que vem sendo expostos nos votos dos ministros só beneficiaria o tráfico de drogas.
Primeiro problema: o usuário passaria a ter a liberdade de portar até determinados gramas de maconha. O consumo ficaria liberado, mas a venda da droga, não; continuaria proibida. Os usuários também ficariam liberados para plantar uma quantidade de “pés” de maconha para consumo próprio. Quem realmente iria se dispor a plantar?
Segundo problema: liberado o consumo, o usuário de maconha precisaria comprar ou plantar, mas é proibida a venda. De quem ele compraria? Dos traficantes. A venda de drogas é proibida no Brasil e todos sabem que não há dificuldades de se comprar a droga em qualquer cidade brasileira. Aí reside o problema. O tráfico ganharia força porque passaria a ter um mercado certo, já que não haveria mais a proibição do consumo.
Terceiro problema: no Brasil dá-se jeito para tudo, e burlar a lei ou as regras é corriqueiro. Se é permitido o porto de “x” gramas de maconha, os vendedores de droga passariam a andar apenas com aquela quantidade. E passariam a não mais ser incomodados pelas autoridades de segurança pública. Ou seja, o tráfico de novo seria beneficiado.
A ministra Rosa Weber usou o argumento da autonomia privada do usuário para defender a descriminalização do porte da maconha. O problema é que a sociedade não quer discutir a fundo a descriminalização das drogas. O ministro Gilmar Mendes, relator do Recurso Extraordinário no STF, recuou e reajustou seu voto, que descriminalizava o porte de todas as drogas e restringiu o alcance apenas à maconha.
Esse tipo de atitude não resolve nem o problema que motivou a ação judicial no STF, qual seja, a diferenciação entre usuários e traficantes de drogas.
Um estudo da Fiocruz sobre o uso de drogas pela população brasileira, concluído em 2017, mostrou que 10,7% da população havia experimentado drogas ilícitas ao menos uma vez na vida, no universo de 153 mil pessoas pesquisadas em todos os Estados brasileiros. A droga ilícita mais consumida, segundo esse estudo, era/é a maconha (por 7,7% dos pesquisados), seguido da cocaína (3,1%).
Rosa Wever, em seu voto, ao argumentar sobre a autonomia privada citou como exemplo o cigarro.
“O consumo de drogas estritamente pessoal coloca em risco a saúde individual do usuário, a evidenciar que essa conduta, diversamente do sustentado por parcela da doutrina, se insere na autonomia privada, especificamente no direito de tomar decisões que se exaure no seu próprio corpo – e aqui eu penso no cigarro”, exemplificou a ministra.
Esse argumento da autonomia privada deveria valer para todos os tipos de drogas, por que não? E a descriminalização deveria também alcançar todos os tipos de entorpecentes, por que não?
Os defensores da criminalização do consumo de drogas talvez nunca tenham feito uma reflexão sobre os motivos que levaram à criminalização. Esses motivos são políticos e econômicos, não por preocupação com a saúde pública. Atualmente o tráfico de drogas movimenta cerca de R$ 20 bilhões no Brasil; no mundo, fala-se em mais de 1 trilhão de dólares.
O combate ao tráfico pelo uso da força e das armas se mostrou inútil, uma guerra perdida. O tráfico cada vez mais se fortalece e invade a sociedade por todos os poros. Não há qualquer dificuldade para se adquirir drogas no Brasil. É a vitória do tráfico, que reina sozinho nesse mercado, oferecendo produtos muitas vezes misturados a outras substâncias.
É necessária uma discussão muito mais ampla a respeito do assunto, e as medidas não devem ficar restritas a um país, mas deve envolver a maioria dos países, principalmente aqueles com alto consumo de drogas.