Por ex- aluno 1036 – Elias Cruz
Podem começar!
Declarou o professor, saindo da sala ao anunciar o início da prova.
Como assim, pensei: Não vai ficar nenhum professor nos observando? Assim podem colar, perguntar ao colega, consultar livros. E com um olhar fixo naquele quadro verde, com ar de indagação, a estranheza deu lugar àquele susto costumeiro de parecer estar atrasado para o início das provas. Logo saquei a caneta e, como numa largada, peguei a prova, passando imediatamente os olhos pelas instruções.
A verdade é que estávamos participando de um projeto do Colégio Militar denominado “Disciplina Consciente”, onde a prova seria aplicada em sala de aula, sem a presença do professor. E por mais espantoso que fosse a saída do mestre, sou testemunha de que nenhum aluno utilizou qualquer meio irregular para a realização daquelas provas. Ali percebi que o Colégio Militar era diferente, não só por cobrar um uniforme impecável, sapatos engraxados e avaliação sanitária permanente, logo percebi que aquela instituição de ensino, também seria uma incrível e bem sucedida formadora de cidadãos, que já aprendem desde o sexto ano (antiga quinta-série), a ter responsabilidades como chefe de turma, que controla o efetivo, conduz um grupo de alunos às salas de aulas, “apresenta” a turma ao responsável pela atividade, dentro do horário designado e com as faltas apuradas, mesmo alguns possuindo ainda 10 anos de idade.
Sei que alguns podem ter pensado: Professor saiu da sala? Vai ser uma correria para pegar os cadernos e os livros e vai ser um tal de se fazer perguntas aos alunos graduados.
Alunos graduados? Deves ter pensado: quem são?
São os alunos possuidores de um posto ou uma graduação simbólica, destacada em forma de divisa no uniforme escolar, concedida aos alunos que possuem as maiores médias de notas na respectiva série, estimulando assim aos demais alunos a buscarem o mesmo reconhecimento, condicionado a mais estudo e dedicação, que poderá resultar em notas melhores e, se possível, superiores as daqueles alunos já graduados e assim vai se estimulando uma concorrência salutar entre os alunos.
Sobre a graduação, recordo-me de um pensamento que tive, ainda criança: “basta eu anotar os pontos mais importantes que o professor citar em sala de aula e estudar tudo que está nos livros, ler, entender e decorar os principais conceitos, pois poderão ser cobrados nas provas, assim vou tirar a mesma nota”, pensei aos 12 anos de minha idade.
Assim, através do estudo, hierarquia e disciplina, moldam-se novos cidadãos desde o momento em que os alunos ingressam por aqueles portões, já que nos primeiros dias, fazem um juramento (*) perante o estandarte daquela Instituição:
“Incorporando-me ao Colégio Militar e perante seu nobre estandarte, assumo o compromisso de cumprir com honestidade meus deveres de estudante, de ser bom filho e leal companheiro, de respeitar os superiores, de ser disciplinado, de cultivar as virtudes morais para tornar-me digno herdeiro de suas gloriosas tradições e honrado cidadão da minha pátria.” (juramento do aluno do Colégio Militar)
Não posso deixar de registrar inúmeros momentos marcantes em minha vida na época da aluno do Colégio Militar, como: Desfilar de bicicleta no 7º de setembro de 1985, em plena Avenida Presidente Vargas, no centro do Rio de Janeiro, quando aprendi que 15 minutos, podem ter o “cumprimento de horas” (o sargento falou desde as seis horas da manhã ao grupamento de ciclistas, já dispostos e formados no local, que o desfile iria começar em quinze minutos: vai começar logo, pensei, até o relógio da central do Brasil bater 8 horas); carregar por alguns metros a tocha olímpica estudantil das escolas do Rio de Janeiro; competir em diversas modalidades de esportes em olimpíadas internas, principalmente no basquete e natação; ter realizado equitação;ter derrotado em menos de 30 segundos um colega, durante um campeonato de xadrez na 6ª série, além de ser considerado bom partido pelas alunas do Instituto de Educação e Fundação Osório, mas isso é uma outra história…
Criado,ainda durante o reinado de D. Pedro II, como Imperial Collegio Militar da Corte(**) em 1889, no século XIX, e batizado finalmente como Colégio Militar do Rio de Janeiro, em 1912, foi palco da minissérie da Globo “Anos Dourados”em 1986, onde as cenas no interior do Colégio foram gravadas no período da tarde, para não atrapalhar as aulas matutinas, causaram decepção entre alguns alunos, pois esperavam substituir os figurantes. Um colégio onde o Professor e o instrutor ainda são chamados de senhor, a fivela reflete, a cobertura é uma boina, o uniforme é passado cuidadosamente, os alunos são submetidos a revistas inopinadas, a testes físicos de desempenho e exames sanitários para o uso da piscina, com pesagem e medição de altura.
Dessa forma, o C.M.R.J. vem formando honrados cidadãos e cidadãs atravessando gerações, que destinam suas vidas ao ambiente civil e militar. Entre esses ex-alunos do C.M.R.J., de grandes expressões intelectuais e culturais no Brasil, podemos citar por exemplo, as seguintes personalidades masculinas, já que as mulheres só ingressaram na Instituição em seu centenário e ainda estão escrevendo as suas próprias histórias:
– Atores: Agildo Ribeiro, Jardel Filho, Jards Macalé, Geraldo Freire de Castro Filho “Castrinho”, que tanto abrilhantava os desfiles dos ex-alunos no aniversário do CMRJ (6 de maio)
– Cantores e Compositores: Ivan Lins, Marcos Menna e Oswaldo Montenegro;
– Instrumentistas: Arthur Moreira Lima (Pianista), Márcio Montarroyos (Trompetista)
– Jornalistas e cineastas:Felix Pacheco (Jornalista, escritor, político e poeta. Diretor do Jornal do Commercio), Carlos Saldanha (Cineasta);
– Diversas áreas culturais: Fernando Bicudo (Diretor de Teatro), Gastão Penalva (escritor), Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Melo – Di Cavalcanti (pintor) e Sergio Telles (Pintor)
– Personalidades nas áreas da educação: Nelson Werneck Sodré (General e Historiador), Julio Cesar de Mello e Souza “Malba Tahan” (matemático), Raymundo Augusto de Castro Muniz de Aragão (Ministro da Educação e Cultura e Reitor da Universidade do Brasil), Arapuan Medeiros da Motta (Fundador do Centro Universitário Augusto da Motta – UNISUAM)
– Políticos: Oswaldo Aranha (Ministro das Relações Exteriores do governo Vargas), Ângelo Mendes de Moraes (ex-Prefeito do Rio de Janeiro) e Clovis Salgado Lima (Governador Minas Gerais e Criador do CMBH);
– Militares: Canrobert Pereira da Costa (General e Ministro da Guerra), Délio Jardim de Matos (Ministro da Aeronáutica), Euclydes Zenóbio da Costa (Comandante da Infantaria Divisionária da FEB), Henrique Duffles Teixeira Lott (Ministro da Guerra), Francisco Oswaldo Neves Dornelles (Ministro da Fazenda; Ministro da Indústria, do Comércio e do Turismo; Ministério do Trabalho e Emprego do Brasil), José Viegas Filho (Embaixador), Walter Pires de Albuquerque (Ministro do Exército), Zenóbio da Costa (Comandante da Infantaria da FEB), Oswaldo Cordeiro de Farias (Comandante da Artilharia Divisionária da FEB)
– Pertencente à história do Brasil: Luiz Carlos Prestes, Político e organizador da Coluna Prestes.
Não poderia deixar de citar nesse seleto time o Coronel Jorge Vasconcellos Branco que foi o chefe da 1ª Inspetoria de Contabilidade e Finanças do Exército – 1ª ICFEx, no Rio de Janeiro, órgão de Controle Interno Federal, que com uma equipe selecionada de militares, norteou com muito profissionalismo os trabalhos daquele órgão. Eu tive a honra de servir na 1ª ICFEx por cerca de 5 anos, sob o comando do Cel. BRANCO, um ex-aluno como eu, onde pude aprender muito sobre o funcionamento dos órgãos de Controle Interno Federal, quando fui designado como contador de diversas Unidades Gestoras, prestando contas ao Tribunal de Contas da União. Também passaram pela Inspetoria o autor e professor Sérgio Jund, Prof. Waldir Jorge Ladeira dos Santos, Vice-Presidente do Conselho Regional de Contabilidade do Rio de Janeiro e meu professor de Contabilidade Pública na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), como também, outros professores e autores de obras voltadas à Ciência Contábil como os Capitães Carlos Eduardo Pires Farias, Paulo César Soares e Francisco Carlos Lorentz de Souza, mas deixa eu apertar o “pause”, pois teremos um artigo só sobre o funcionamento do controle interno federal e sobre as Controladorias Municipais.
Para formar tão nobres cidadãos, o Colégio Militar possui colaboradores e um corpo docente de altíssimo nível, entre eles posso destacar: Inspetor Farias, que sabia ser rígido com os alunos e ao mesmo tempo amigo, sempre com seu “uniforme civil” impecável, independente de estação do ano; O saudoso Coronel e Professor de Português Elias Miled Kuiak; o Prof. André e Cap. Miranda da seção de Educação Física; o Professor Aposentado Benjamin Cesar, que o reencontrei, alguns anos depois, ministrando aulas nos principais cursos preparatórios para Concurso Público do País, e tive o prazer de estudar suas obras, já que também é autor de livros das disciplinas de matemática financeira, matemática e raciocínio lógico, publicados pela Editora Impetus/Elsevier, entre outros; E da mesma forma, viajando pelo tempo, destaco o ex-professor de geografia e militar Ary de Oliveira Pereira, que foi professor do Cel BRANCO e pai de um dos ex-alunos de maior projeção nacional da atualidade, o Excelentíssimo Ministro do Gabinete de Segurança Institucional, General de Exército Augusto Heleno Ribeiro Pereira, que foi Comandante Militar da Amazônia, onde eu também tive a honra de servir nesse período, e Comandante Militar da Missão das Nações Unidas para estabilização no Haiti (MINUSTAH), recebendo em 2004 o prêmio “Faz Diferença”, categoria Mundo, concedido pelo jornal O Globo aos brasileiros que se destacaram em diversos campos de atividades.
Embora fosse necessário um livro para descrever todas as experiências e aprendizados recebidos durante a época, o Colégio Militar me proporcionou uma das maiores honras que tive, quando fui visitar meu pai, o Cmt Genildo Cabral da Silva, quando ele servia no Comando de Operações Navais no Rio de Janeiro e lá estávamos fardados, ele e eu, pela primeira vez. Ao chegar na sala de meu pai, automaticamente bati a continência àquele oficial superior, quando enfim percebi o significado da história de vida dos 83 anos de meu pai, que ingressou na Marinha ainda como Marinheiro e chegou a oficial superior através do próprio mérito, resultado de muita dedicação e estudo. Aliás um dos maiores aprendizados que temos naquela escola: “a conquista deve ser buscada com muita lealdade, honra e respeito ao próximo, combinada com esforço, dedicação e muito estudo.”
Enfim, se nós, ex-alunos da Casa de Thomaz Coelho, como também é chamado o CMRJ, entoávamos com vigor o hino do Colégio na época de aluno, hoje sentimos em nosso ser, o que o verso já nos avisava, mesmo quando parecia enunciar um momento distante: “Mais um dia o pranto há de nossos olhos inundar, ao chorarmos a saudade do COLÉGIO MILITAR”(***)
E agora, quando, quando o C.M.R.J. completa o seu 132º aniversário no dia 6 de maio, só nos resta destacar a importância da comemoração desta data na vida de todos aqueles que fizeram e ainda fazem parte dessa gloriosa história do nosso Colégio Militar do Rio de Janeiro, tão cuidadosamente escritas nas linhas de nossas vidas.
…Colégio!
(*) Juramento do aluno do Colégio Militar
(**) Histórico imperial do Colégio Militar do Rio de Janeiro pode ser acessado em http://www.cmrj.eb.mil.br/index.php?option=com_content&view=article&id=123
(***) Trecho da Canção do Colégio Militar disponível em http://www.cmrj.eb.mil.br/component/k2/item/13-cancao-do-cmrj
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Nós fomos privilegiados de ter estudado no CMRJ, você mais ainda pegou a piscina e os desfiles de bicicletas, não sei se pegastes os grandes bailes nem as salvas dos obuses 75mm ,mas de quaisquer formas SUPRIMOS AMAN 77 , preciso dizer mais?