O banquete está prestes a ser servido. As hienas estão à espreita, observando os derradeiros preparativos do prato principal: a contra-reforma política. Enquanto festejam, repassam os custos do escárnio público a quem deveriam representar ao invés de usurpar a soberania.
Mas o que esperar desses “profissionais” da mafiosa captação de recursos no processo eleitoral, agora travestidos de parlamentares ou titulares de mandatos? Realmente, seria algo singular se numa reforma política prevalecesse a coisa pública. Se houvesse predomínio de um mínimo de espírito e prática republicana. De fato, ainda não estamos no tempo em que esses princípios, valores e práticas alcancem a realidade, indo além da formalidade da lei.
Pelo contrário, a Câmara federal optou por aproveitar a ocasião e, na contramão do que exige a sociedade brasileira, dar expressivo passo para constitucionalizar a jogatina de captação de recursos econômicos no processo eleitoral e a consequente patrimonialização dos mandatos. As justificativas são as mais cínicas possíveis. Do naipe das que apresentou a edição de 6 de abril da revista Época, com argumentos chulos e panfletários para desmerecer a necessidade de uma efetiva reforma política e institucional no Brasil. Argumentos que não passam de encenação para frustrar qualquer possibilidade de mudança efetiva do processo eleitoral brasileiro e da qualidade da representação na vida política do país, mantendo o predomínio do controle dos mandatos nas mãos de corporações privadas e de grupos patrimonialistas.
Que expectativa se poderia ter de uma suposta “casa do cidadão”, pseudorepresentante do povo brasileiro? Seria demais querer que prevalecesse o espírito republicano e que se exercitasse alguma vez o protagonismo parlamentar, em favor de um histórico aprimoramento das instituições eleitorais e de medição política que fortalecesse a soberania popular. Tal progresso, concretamente, ainda não é possível, pois não se pode esperar essa atitude civilizatória do processo político de uma confraria de hienas.
Não há espaço entre as diferentes gerações de parlamentares brasileiros para o aprimoramento da experiência da vida política do país numa perspectiva mais efetivamente republicana e democrática. Muitos dos que falam em revigorar as instituições democráticas são os mesmos que impedem a reforma política (legislativa, administrativa e judiciária, bem como de instituições que atuam na órbita desses poderes). Pior, a confraria acabou de investir maciçamente na contra-reforma política do Brasil. Transcorrem-se as décadas, porém os antigos vícios e velhas práticas se perpetuam.
Poderes e instituições que deveriam ser referências na defesa da República e impulsionar a perspectiva democrática da sociedade e do Estado acabam por se nivelar aos demais saqueadores, inclusive reivindicando direito de “isonomia” ao saque de recursos públicos. Na legítima busca por valorização remuneratória, vão abrindo mão de princípios fundamentais e, ao pior estilo “farinha pouca, meu pirão primeiro”, passam por cima dos próprios valores essenciais, forjam dispositivos legais e assim saqueia-se “dentro da lei”, efetivamente tomando parte na pilhagem da sociedade brasileira. Reproduz-se, com isso, a injustiça social estrutural, “vendendo” conivente silêncio e certos serviços frente à crueza dos abusos praticados e da inércia para resolver questões urgentes de caráter social, econômico e político. Tudo feito sob a chancela da legalidade para desencargo das consciências. Assim, todos ficam “bem na foto”. E a publicitária República segue em aparente normalidade institucional, cuja zona de conforto é cotidianamente abalada diante da sofrível qualidade dos serviços públicos, da crescente criminalidade, dos escândalos envolvendo políticos e das contradições socioeconômicos, fatos que tornam indisfarçáveis os esquemas institucionalizados da corrupção sistêmica.
Mesmo assim, prossegue a farra das hienas enquanto os contribuintes, os cidadãos e os trabalhadores arcam com os custos da usurpação da soberania popular e com o escárnio à cidadania, desvelando assim o quanto ainda existe uma nação de subcolonizados, sujeitada a isso historicamente por castas políticas subcivilizadas. A soberania do povo brasileiro torna-se ineficaz; não passa de perfumaria jurídica formalizada no parágrafo único do artigo primeiro da Constituição Federal.
Enfim, triste é o destino do povo e da sociedade cuja história está sempre submissa aos interesses sórdidos e escusos, sem perspectivas promissoras desenvolvimento civilizatório. Não há leões, muito menos parlamentares “de ouro, de prata ou mesmo de bronze” que, no exercício do mandato, ousem trilhar outra possibilidade e prevalecer sobre as hienas. Elas deliram e fazem a festa, pois a velha ordem das coisas tende a continuar, agora sob o abrigo do manto constitucional. “Ave” ao obsceno banquete das hienas! Saúdam os que serão devorados.
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