Soou como agradecimento a decisão de Rodrigo Janot de arquivar pedido de investigação de uma gráfica de São Paulo, que trabalhou para a campanha da presidente Dilma Rousseff. Mostraram-se injustificáveis ou de menor importância as razões do procurador-geral da República, já que acabara de ser indicado pela presidente para ser reconduzido à direção maior do Ministério Público. Como autor da solicitação indeferida, o ministro Gilmar Mendes, integrante do Tribunal Superior Eleitoral – TSE.
Bem, como se não bastasse, Janot admoestou o TSE e a oposição, em tom professoral, ao questionar a Justiça Eleitoral e seus membros, sustentando que jamais poderão ser transformados em “protagonistas exagerados do espetáculo da democracia”. Sem nenhuma cautela, o procurador avançou, ao sustentar que “não interessa à sociedade que as controvérsias sobre a eleição se perpetuem”, ressaltando que “os eleitos devem usufruir das prerrogativas de seus cargos” e que os derrotados devem “conhecer sua situação e se preparar para o próximo pleito”. E que os atores principais na democracia são os candidatos e eleitores, nunca a Justiça Eleitoral, mais uma vez repreendida pelo procurador.
Assim, subvertendo a natureza e as elevadas funções de seu cargo, Rodrigo Janot redescobriu as declarações do ministro Dias Toffoli, presidente do TSE, quando afirmou que não permitiria o terceiro turno das eleições presidenciais no espaço da Justiça Eleitoral, lá atrás, durante sessão de diplomação da presidente Dilma. Em Toffoli, tudo bem, mesmo porque dele não se poderia esperar outro comportamento, na condição de ex-advogado do PT e antigo militante do lulopetismo, indicado para o Supremo Tribunal Federal em circunstâncias conhecidas. No entanto, de Janot, que recebeu não apenas o apoio, mas o entusiasmo das oposições, ao ser sabatinado no Senado, jamais se imaginaria tão grande decepção.
De mais a mais, o ato do procurador compromete a instituição que representa e confronta com as atribuições constitucionais de defesa da ordem jurídica e do regime democrático. Estas responsabilidades funcionais, sem dúvida, exteriorizam prerrogativas relevantes, consagradas ao longo da história e da evolução do constitucionalismo brasileiro, consideradas fundamentais às funções jurisdicionais do Estado.
Na defesa da ordem jurídica e do regime democrático, como há de convir o mais desavisado iniciante no universo das letras jurídicas, entende-se como obrigatória a observância do complexo de normas e princípios de direito que regulam a existência em sociedade. E, na constituição do poder político, não se pode prescindir do respeito ao ordenamento jurídico próprio, que garante a lisura na conquista do mandato popular. Como parece óbvio, fora daí, tem-se a usurpação da representação, como resultado de vícios e fraudes que maculam o processo eleitoral e tornam ilegal e ilegítima a outorga conferida.
Cabe ao Ministério Público velar pelo cumprimento das leis e instruções eleitorais, com ações processuais objetivas e outros atos. Têm-se o Código Eleitoral, normas e regulamentos específicos que disciplinam os pleitos, a cada dois anos. Na hipótese aventada pelo ministro Mendes, pairam suspeitas sobre as atividades de uma gráfica tida como “laranja”, com endereço inexistente no local indicado, que recebeu cerca de 23 milhões de reais do comitê de campanha de Dilma Rousseff em 2014, cujos valores constam da prestação de contas da candidata enviada ao TSE. O mínimo que se exige é que os fatos sejam investigados, visto que há fortes indícios de irregularidades. Há indagações elementares que precisam ser respondidas: o que pode justificar pagamentos tão significativos, quais os impressos ou outros serviços que foram efetivamente produzidos ou prestados, quais os ativos, instalações e equipamentos da empresa que possam afastar qualquer desconfiança a respeito de tão elevado faturamento?
Não obstante os aspectos eleitorais, como ressaltou Gilmar Mendes, há que se apurar quais os negócios realizados entre a gráfica e seus clientes, o PT e a presidente. Ao contrário do que disse Janot, o parecer do Ministério Público não foi técnico, mas político, como revela o teor da nota oficial da instituição. Portanto, como resposta, o procurador recebeu o que merecia, tanto de Mendes, como da oposição brasileira. Posou de advogado da presidente e desmereceu suas funções legais e constitucionais. A propósito, não custa lembrar que a presidente disse com todas as letras que faria o diabo para ganhar a eleição. Destaque-se, de igual modo, que as apurações da Lava Jato identificaram origens criminosas na utilização de doações pela campanha de Dilma, provenientes dos esquemas corruptos da Petrobras.
Não se pode e muito menos se deve, sob qualquer aspecto, comprometer a altivez e a independência do Ministério Público, guardião dos mais nobres interesses e demandas da sociedade brasileira.
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